Mulheres com atuação no patrimônio cultural de Pernambuco têm suas trajetórias registradas em plataforma online

Projeto documental, inédito, busca registrar, documentar, catalogar, salvaguardar e narrar, por meio dos registros de áudios, vídeos e textos, a biografia de 15 mulheres ligadas ao Patrimônios Material e Imaterial da região da Mata Norte do Estado

Por séculos, as mulheres negras, periféricas, rurais e de comunidades tradicionais estiveram no centro da criação cultural brasileira, mas raramente foram reconhecidas como autoras de sua própria história. Nos engenhos e nas feiras, nas cozinhas e nas festas, foram elas que transmitiram saberes, ergueram tradições, preservaram a fé, moldaram a arte e sustentaram as bases da vida social e simbólica. Ainda assim, o registro de suas trajetórias permaneceu quase sempre ausente das páginas oficiais, relegado ao esquecimento.

Agora, parte desse silêncio começa a ser revertido. A Mata Norte de Pernambuco — território moldado pela cana-de-açúcar e pela força das manifestações populares — ganha um espaço digital dedicado à memória dessas mulheres e ao papel que desempenham na formação do patrimônio cultural pernambucano. Lançado nesta terca-feira, 28 de ouutbro, o site do projeto ""Nossa História, Nossa Memória – Temporada Mulheres na Cultura está disponível em https://nossahistorianossamemoria.com.br/terceira-temporada/ e reúne um acervo audiovisual gratuito, acessível e aberto ao público, que funciona como uma verdadeira biblioteca viva da cultura da Zona da Mata.

Mais do que um repositório, a plataforma é um gesto de salvaguarda. Ao unir som, imagem e texto, o site apresenta entrevistas, biografias, vídeos, fotografias e documentos pessoais que registram a presença feminina nos patrimônios materiais e imateriais de Pernambuco. Os bens imateriais aparecem nas danças, músicas, literatura oral, linguagens, culinária, rituais, festas, feiras e lendas, expressos nas vozes das mulheres que os mantêm vivos. Já os bens materiais se manifestam nas vestimentas, museus, teatros, igrejas, praças, monumentos, universidades, obras de arte e utensílios que compõem o cenário cotidiano dessas tradições.

Pensada como uma plataforma inclusiva e democrática, a iniciativa oferece todos os conteúdos com legendas, transcrições, audiodescrição e tradução em Libras, garantindo acessibilidade plena e estimulando o uso pedagógico do material. “É como abrir uma porta para que as pessoas possam não só ouvir, mas também ler, interagir e se reconhecer nessas histórias. Queremos que esse acervo inspire novas gerações de mulheres, pesquisadoras e artistas a se reconhecerem como parte do patrimônio de Pernambuco”, acrescenta Salatiel.

A comunicadora popular Josinalda Marinho, apresentadora do podcast, destaca a emoção envolvida no processo de escuta e o poder transformador das narrativas. “Cada entrevista é um encontro de mundos. As histórias chegam carregadas de emoção, de luta, de ancestralidade. Não é apenas um registro técnico, é uma conversa entre gerações. É a voz de uma mulher de Nazaré dialogando com outra de Goiana, de Carpina, e Tracunhaém. É o Brasil profundo se reconhecendo no espelho da sua cultura”, ressalta Josinalda, que dá tom, ritmo e afeto às entrevistas.

O site também abriga artigos da professora e produtora cultural Joana D’Arc Ribeiro e do historiador Uenes Gomes, que analisam, entre outras manifestações, como o cavalo-marinho, o coco de roda, a ciranda e o maracatu rural, compreendendo-as não como espetáculo, mas como práticas sociais que moldam identidades e conectam gerações.

A trilha sonora, assinada pelo grupo As Januárias, traz o som das alfaias, das rabecas e dos pandeiros que acompanham o pulsar da Mata Norte. A equipe do projeto — formada por Josinalda Marinho (apresentação), Gedson Pontes (roteiro), Giselle Araújo (design gráfico), Humberto Victor (web designer), Crislaine Xavier (audiodescrição) e Hewelyn Kimberly (intérprete de Libras) — dá corpo e alma a um projeto que combina técnica, arte e compromisso social.

Realizado com incentivo da Fundarpe, da Secretaria de Cultura e do Governo de Pernambuco, por meio do Funcultura, o Nossa História, Nossa Memória – Temporada Mulheres na Cultura é mais do que um projeto de preservação: é um ato político, um gesto de reparação e continuidade. Ao devolver às mulheres da Zona da Mata o direito à palavra, o projeto afirma que a memória coletiva é feita também de vozes femininas que, entre danças, versos, receitas e rezas, sustentam os alicerces da cultura pernambucana.

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