Livro-reportagem: o fato revelado através da literatura



A Cepe, que possui diversos títulos do segmento em seu catálogo, convida alguns autores a refletir sobre o gênero literário e sobre o jornalismo  


A narrativa parte de um fato real, como a notícia contada em um jornal. Mas não se limita a responder apenas onde, quando, como e por que tal acontecimento ocorreu. O estilo do livro-reportagem segue a linguagem do jornalismo literário: não finda em seu desfecho; revela todas as suas ramificações; entra em outros contextos e aguça reflexões que tornam a obra atemporal. A Cepe tem em seu catálogo diversos livros-reportagem. Conversamos com os autores de três deles: a jornalista, socióloga e professora da UFPE, Fabiana Moraes, autora de


Para o jornalista e escritor Luiz Felipe Campos, a força do livro-reportagem vem de sua característica de narrativa não-ficcional. "O leitor pensa no livro-reportagem como uma modalidade mais prazerosa de não-ficção, de leitura mais ágil, quando comparado com livros de história, antropologia, sociologia e outras humanidades. O interesse em livros-reportagem é inerente a uma sociedade que, em maior ou menor grau, deseja complexificar e se aprofundar no exame da realidade. E a recíproca é verdadeira: a "vida real" é a matéria-prima do jornalismo, e por isso jornalistas e escritores vão continuar produzindo literatura de não-ficção", prevê Luiz Felipe. 


Infelizmente, parece que o leitor brasileiro não pensa da mesma forma que os de outros países, como os Estados Unidos, onde o jornalismo literário se popularizou desde os anos 1960 e 1970. "Aqui no Brasil a demanda por livros desse tipo é menor do que em outros países, como nos Estados Unidos, onde nasceu a tradição do


Mas não foram os norte-americanos os criadores do livro-reportagem, como bem lembra Homero Fonseca, ao citar, por exemplo, o clássico Os sertões (1902), de Euclides da Cunha. "É uma obra literária, sociológica, geográfica, histórica, mas também é uma grande e excepcional reportagem. As chamadas ‘crônicas’ de João do Rio são estupendas reportagens. A grande reportagem impressa autonomamente ainda hoje é atraente, enquanto o livro e sua mística sobreviverem", defende Homero. 


PROCESSO DE ESCRITA

 

Ao contrário do que muitos propagam, não basta uma reportagem ser longa para que esteja apta a virar um livro, seja ele físico ou em formato e-book. E ainda há que se levar em conta a linguagem que é própria dos livros, independentemente de serem baseados em reportagens. "Mesmo com a internet, os suportes livro físico e e-book são espaços próprios. Independente de ser ou não uma grande reportagem, o que importa é o tipo de linguagem, que pode se encaixar em um suporte mais efêmero”, explica Fabiana. Segundo ela, a linguagem de um livro, ao contrário, clama pela atemporalidade. “Nem toda reportagem pode virar um livro porque dizem muito sobre determinado momento, e isso obviamente a torna um produto mais datado. E não falo que isso seja negativo, mas é próprio de como o assunto foi abordado", explica Fabiana Moraes. 


Autora de grandes reportagens premiadas e de outros dois livros-reportagem,


Para que uma obra literária não fique datada, é preciso, portanto, pensar na forma como a narrativa será construída. “Grandes reportagens falam sobre fatos pontuais mas repercutem até hoje pela forma como foram abordadas. Se você pensar num clássico do jornalismo como

 

“Temos muitos exemplos de reportagens contextualizadas e que fazem correlações inteligentes com dados históricos, econômicos, culturais, escritas numa linguagem rica, que permanecem. Para só ficar entre nós e citando os bons nesse campo, lembro Joel Silveira, Audálio Alves, Geneton Moraes Neto, Ricardo Noblat, Ricardo Leitão, Nagib Jorge Neto e tantos outros", acrescenta Homero.


SENSACIONALISMO X HUMANISMO


Humanizar um texto sem criar sensacionalismo, juízo de valor e propagar preconceitos, ajudando na formação do pensamento crítico do leitor são - ou deveriam ser - funções tanto do escritor de um livro-reportagem quanto do jornalista que escreve uma notícia. "Muita gente escreve com emoção e usa adjetivos e não tem nada a ver com sensacionalismo. Depende da forma como a emoção e os adjetivos e os pensamentos são colocados na construção do texto. A emoção é uma forma de informação; o adjetivo fala a respeito das coisas, das pessoas, permite construir cenas, personagens, impressões. Sensacionalismo tem a ver com a ordem ética", explica Fabiana.  Para ela, "o que falta a muitas mídias tradicionais que se acredita em crise, portanto, não é mudar a plataforma, mas repensar o tipo de jornalismo praticado. “O jornalista não pode contribuir para uma sociedade menos marcada por desigualdades não somente materiais, mas de ordem simbólica", analisa Fabiana. 


A ética também é, para Luiz Felipe, o que deixa o sensacionalismo bem longe do texto. O escritor tem a grande responsabilidade de fazer justiça à complexidade das pessoas tornadas personagens, e de suas histórias particulares. Já a escolha dos adjetivos deve ser um processo técnico que envolve a compreensão de que os sinônimos são muito menos comuns do que a gente pensa (Rubem Fonseca dizia que não existem sinônimos) e que, portanto, deve existir uma palavra exata para aquilo que você quer exprimir”, ensina Luiz Felipe. Para ele  um dos melhores livros-reportagem de todos os tempos é

"Creio que os bons repórteres, redatores e editores (e os leitores também) sabem perfeitamente distinguir um jornalismo que vá além da fria objetividade, mas se mantenha sempre fiel aos fatos, sem a apelação comercial que caracteriza o jornalismo marrom (como se dizia e o grande Millôr Fernandes associou à cor do cocô)", sugere Homero.


 

 OS LIVROS


Os Sertões


O massacre da Granja São Bento

 

Os livros estão à venda na loja virtual da Cepe:

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