O cinema dos anos 20 pela crítica da época





Antologia da crítica pernambucana - Discursos sobre cinema na imprensa (1924-1948), lançamento da Cepe Editora, é organizado por André Dib e Gabi Saegesser

A maneira como a imprensa pernambucana escrevia sobre cinema na primeira metade do século passado é o mote da pesquisa que virou o livro Antologia da crítica pernambucana - Discursos sobre cinema na imprensa (1924-1948). Editado pela Cepe, com incentivo do Funcultura e apoio da Abraccine, e organização do jornalista e crítico André Dib e da realizadora Gabi Saegesser, a obra traz episódios relevantes da cinematografia local. O objetivo, segundo os organizadores, é tornar acessível ao leitor um panorama dos principais autores e ideias, e mergulhar no imaginário e nas formas de pensar cinema em Pernambuco na primeira metade do século XX. “Esperamos, com este trabalho, incentivar novas pesquisas, tendo em vista que os acervos disponíveis permitem aprofundar investigações cujas fontes estão longe de se esgotar”, escrevem os organizadores na apresentação do livro.

Para o crítico de cinema e professor Luiz Joaquim, prefaciador da obra, um dos principais méritos dessa antologia é “sua capacidade de agregar num único volume um universo de ideias antes dispersas que, agora juntas num só corpo, agregam um novo sentido e oferecem novas perspectivas sobre o inicial pensamento intelectual pernambucano a respeito do cinema”.
Para chegar às 392 páginas divididas em quatro capítulos - o Ciclo do Recife; a chegada do cinema sonoro; o lançamento do filme Coelho sai (primeiro longa sonoro produzido no Nordeste); a passagem do diretor norte-americano Orson Welles pelo Recife (e a origem da frase That’s a lero-lero, que virou título do curta de Lírio Ferreira e Amin Stepple) ; e os primórdios do cineclubismo no estado; além do anexo com fotografias e cartazes -, André e Gabi realizaram um processo de imersão em acervos físicos e digitais, bibliotecas, arquivos públicos e particulares. “Foram dois anos de pesquisa em acervos físicos e digitais, seis meses para a seleção e transcrição do material e mais seis meses para a organização. Outra etapa foi a produção do livro, que com a entrada da Cepe conferiu nova dimensão ao projeto”, dizem os organizadores. Segundo eles, a dificuldade de acesso aos periódicos da época devido à frágil situação dos acervos públicos brasileiros contribuíram para a demora na conclusão da pesquisa.  “Durante o nosso trabalho encontramos coleções em deterioração avançada, que precisam de restauro e digitalização urgentes. Em acervos microfilmados ou digitais faltam páginas ou edições inteiras”, revelam.

Em um primeiro momento, os textos são apenas informativos, mas depois seguem o perfil da reflexão “quase sempre laudatórias ou ufanistas”, como escrevem os autores. Somente  ao final dos anos 1920 surgem as crônicas especializadas, assinadas por nomes que ficaram conhecidos, como os de Evaldo Coutinho e Nehemias Gueiros. Este último chegou a escrever que “Recife é a Hollywood brasileira” (Jornal do Commercio, 29/12/1929).  Quanto aos filmes, os primeiros recifenses a ganharem comentários são Aitaré da praia (Gentil Roiz, 1925) e A filha do advogado (Jota Soares, 1926). Não dá para esquecer cinematografistas - assim eram chamados os cineastas ou diretores - como Edson Chagas e Ary Severo, que também fizeram parte do importante e produtivo Ciclo do Recife. Sem falar das empresas cinematográficas como a Aurora Film, Meridional Filmes, Liberdade Film, Hiate Film, Spia Film, entre outras.

Interessante também os registros das primeiras sessões de cinema ocorridas no Recife, como a inauguração dos Cine Pathé e Cine Royal, em 1909. “A primeira crônica que encontramos foi publicada em janeiro de 1910, registro pioneiro sobre o hábito de ir ao cinema no Recife, logo depois da inauguração do Cine Pathé”, declaram André e Gabi. Naquela época, os filmes eram mudos. Quando passam à etapa sonora, graças às tecnologias do photophone, vitaphone e movietone, lá vêm as críticas aos problemas com a língua estrangeira, com as legendas, a sincronia…
No começo do século XX se percebe o pioneirismo de Pernambuco no fazer cinema, e se inicia a concorrência desleal entre a exibição de filmes nacionais e norte-americanos. Falta de investimento na produção local, colonialismo visto na representação errônea dos brasileiros pelos estrangeiros na telona, ou no americanismo sempre em cartaz receberam diversas críticas. “O material organizado no livro também revela uma divisão bastante definida entre entusiastas do cinema de entretenimento norte-americano (defensores da então recente técnica do cinema sonoro) e amantes do cinema silencioso, mais interessados na elaboração narrativa do que nas inovações técnicas e nos gostos do público. Havia também os defensores e detratores do cinema nacional e local, além dos críticos de ocasião, que não costumavam escrever sobre cinema mas o faziam sempre alguma polêmica era acendia. Tudo isso não me parece diferente do cenário atual, exceto o fato de que o espaço para a crítica na imprensa tradicional está cada vez comprometido. Outra diferença importante está na participação das mulheres. Na nossa pesquisa encontramos apenas um texto escrito por uma mulher, a poeta Heloísa Chagas, o que revela muito sobre as relações de poder, tanto na imprensa, como no cinema daquela época”, revelam os autores.

Jornal do Recife, 8 de janeiro de 1928
Coisas de cinema
Eugênio Coimbra Júnior
(...) O americanismo entrando no mercado e a ele fornecendo enormes quantidades de filmes não tem tempo de dotá-los de uma arte compenetrada, sem exageros, sincera e espontânea. Os cartazes estão cheios de películas de farwest, cujo enredo gira, sempre, em redor do tema de um rapaz que salva uma moça possuidora de uma mina de ouro dos seus perseguidores que pretendem roubá-la nos seus bens. E, por fim, para concluir o drama, enchendo as medidas de piadas, lá vem o casamento, e fatal casamento de todos os fins de romance barato (...)

Cinearte, 8 de dezembro de 1926.
Filmagem Brasileira
Lemos num jornal de Pernambuco:
Goiana Filme

Já vão bem adiantados os trabalhos de filmagem da primeira
película de enredo da fábrica Goianense.
Denomina-se ela Sangue de irmão e tem como diretor o técnico
da Aurora Film, Jota Soares. É interpretado este drama por um
grupo de amadores de Goiana, estando à frente do elenco o distinto
moço Juca Novaes e a menina Cremilda Borba.
Reina grande ansiedade no público da terra para assistir a
Sangue de irmão, que está dividido em 2 partes.
Jota Soares e Edgar Gemir, fotógrafo, estão animados com o trabalho
que apresentarão em pouco.
Como se vê, mais um filmezinho para o nosso fomento cinematográfico.


O Gymnásio, julho de 1928.
Cinematografia Nacional
Juvenal

(...) Os filmes americanos sobre o Brasil são odiosos, mesquinhos,
caluniadores, baixos e revoltantes! Não devemos, absolutamente,
crer que eles nos ignoram! Não. Eles, talvez, conheçam muito mais
o Brasil que muitos brasileiros. O que lhes faz mentir tão desavergonhadamente
é a baba imunda da inveja que cai constantemente
dos seus lábios, porque, sem mais preâmbulos, podemos afirmar
que esta terra é muito mais grandiosa e rica que qualquer outra.
A oportuna aparição das nossas produções cinematográficas no
estrangeiro destruiria a blague que lhes incutiram no espírito dos
atrasados da sábia Europa.
Que o governo obrigue os proprietários dos nossos cinemas a
passarem produções nacionais; que isente de impostos a importação
do filme virgem enquanto não o podemos produzir aqui; que
subvencione as nossas fábricas etc. Devemos, finalmente, sobre todos
os aspectos, auxiliar a nossa indústria.


Em consequência da pandemia do novo coronavírus, todas as livrarias físicas da Cepe Editora estão fechadas, mas a loja virtual da empresa (www.editora.cepe.com.br) permanece com seu atendimento aos clientes inalterado.
Preço do livro: R$ 45 (livro impresso) ; R$ 13,50 (E-book)


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