Livro analisa a polêmica relação de Gilberto Freyre com o judaísmo
Publicação da Cepe se debruça sobre mais de meia centena de obras escritas pelo sociólogo e textos de autores nacionais e estrangeiros dedicados ao tema
O novo título da Cepe Editora tem caráter inédito. Lançado no fim de janeiro deste ano, o livro Gilberto e o judaísmo: consonâncias e dissonâncias hebraicas no judeu de Apipucos, de Caesar Sobreira, é o primeiro livro, no Brasil e no exterior, exclusivamente dedicado à análise do que Gilberto Freyre escreveu sobre os judeus e o judaísmo. O tópico figura entre os pontos mais delicados e polêmicos dos escritos do sociólogo pernambucano, tendo provocado críticas – favoráveis ou contrárias às ideias de Freyre – e até acusações de antissemitismo.
“Havia uma escassez, para não dizer raridade, dos estudos que se debruçam sobre o tema”, resume Caesar Sobreira, que estrutura Gilberto e judaísmo em 392 páginas, duas partes e oito capítulos. Para o ensaio, o autor partiu da releitura de 27 livros de Gilberto Freyre, incluindo a trilogia Casa-grande & senzala (1933), Sobrados e mucambos (1936) e Ordem e progresso (1959). Depois leu meia centena de títulos – biografias, artigos, trabalhos acadêmicos – sobre a presença dos judeus e do judaísmo na obra freyreana. A observação de Sobreira após as leituras foi de que, no máximo, os livros já publicados analisavam o tópico em um capítulo ou em artigos.
As análises começam por Casa-grande & senzala. Neste, segundo Sobreira, as referências de Freyre aos judeus e ao judaísmo foram escritas com os propósitos de exaltar as virtudes, principalmente intelectuais e científicas, e reprovar as atividades econômicas abusivas. “Exceto, talvez, pelos vocábulos considerados inadequados, não há nada o que censurar nessa obra. Portanto, não é possível observar nem, muito menos, comprovar a existência de judeofobia ou antissemitismo em Casa-grande & senzala”, sustenta. Um dos vocábulos é “judiar”, empregado no sentido de maltratar. Sobreira diz que o uso deste verbo no máximo seria criticável.
Também na primeira parte do livro, o ensaio aborda uma a uma as referências ao judeus ao judaísmo feitas pelo sociólogo em suas obras. A segunda parte é voltada à questão semítica em Freyre, remetendo à reflexão de dois aspectos. Um, sobre o impacto étnico, cultural e econômico dos povos semitas (árabes e, sobretudo, judeus) na formação na civilização lusitana implantada no Brasil, principalmente na região Nordeste. O segundo aspecto remete “à formação intelectual do autor, e, por consequência, ao seu suposto antissemitismo, já que esta é a pedra de toque dos gilbertófobos nos ataques às teorias do pensador apipuquense”.
Sobreira é criterioso na escolha dos textos críticos às ideias de Freyre. O livro traz 11 críticas que mostram pontos negativos das ideias do sociólogo e o mesmo número de críticas com posicionamentos positivos e empáticos. Entre as negativas há a recensão de Casa Grande & senzala do antropólogo norte-americano Jules Henry (1947), o primeiro a acusar o pernambucano de antissemitismo, mas sem usar este termo. Para Jules, “como leitura geral, é lamentável que um trabalho dessa natureza seja solto em cima de um mundo já fervendo de ódio racial”. A crítica foi refutada por Freyre no prefácio à sexta edição (1950) de Casa grande & senzala: “O fato é, claro, que nunca tive a intenção de ser antijesuíta ou antissemita”. Ao trazer as opiniões do norte-americano no prefácio, o sociólogo ampliou a visibilidade da questão.
A respeito da polêmica, Sobreira afirma que embora o texto de Jules tenha dado origem ao imbróglio, nenhum dos autores críticos à obra gilberteana fez uso do texto original. Os críticos se limitaram a utilizar as palavras do antropólogo que Freyre transcreveu no prefácio do seu livro.
O livro tem o prefácio de Tania Novinsky, neta de Anita Novinsky (1922-2021). Professora da Universidade de São Paulo (USP), pesquisadora e escritora do judaísmo no Brasil, Anita seria, a princípio, a autora da obra sobre Gilberto e o judaísmo, o que não ocorreu por questões de saúde. O desafio ficou para Sobreira. “Gilberto Freyre tem um longo percurso internacional. Sai de uma bolha nordestina muito culta e vai estudar o Brasil desde fora. Como Anita, buscou novas formas de entender o Brasil tão rico em cultura e contrastes”, afirma Tania. De acordo com a prefaciadora, o livro publicado pela Cepe Editora vem ajudar a olhar o sociólogo pernambucano “com novas lentes para histórias que também apresentam novos fatos”.
AUTOR
Caesar Sobreira é professor titular de Antropologia da Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE). Pela Cepe também publicou Diálogo das Grandezas do Brasil: Primeira edição do apógrafo de Lisboa (2019). Ele também publicou Nordeste Semita: ensaio sobre um certo Nordeste em que Gilberto Freyre é semita (2010) e Opus Iustitiae Pax: Igreja, Estado e Direitos Humanos no Brasil - 1964/1996, (2017).
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