O pernambucano Ronaldo Fernandes estreia na literatura com “Avôa”
Estreia do pernambucano Ronaldo Fernandes, “Avôa” busca construir identidade em meio ao abandono, racismo e opressões
Livro de estreia do
dramaturgo, ator e diretor teatral Ronaldo Fernandes (@ronfernadis), “Avôa” (editora Paraquedas, 83 pág.) nasceu de seu desejo de resgatar as
memórias reais ou inventadas de sua avó, mãe, irmã e amizades. A partir
do registro dessas lembranças, os poemas do autor contam sua própria história,
ressignificando momentos e personagens de sua trajetória a partir da autoficção. O autor é natural de
Paudalho e criado em Carpina, no interior do Pernambuco.
Com prefácio do ator, roteirista e
jornalista Celso Bandarra e orelha da escritora e também jornalista Viviane
Pereira, “Avôa” se constrói de forma heterogênea, unindo eu-lírico e autor a
partir de epígrafes que introduzem alguns capítulos. Nessa seleção de trechos,
destaca-se a presença de Gilberto Gil, Álvaro de Campos (heterônimo de Fernando
Pessoa) e Henri Lacordaire no campo de referências do autor. As ilustrações e
projeto gráfico feitos pela artista paraibana Luyse Costa ajudam na composição
dessa multiplicidade que torna “Avôa” uma obra que fala de vida.
O coração pulsante que Viviane vê no
livro e no Ronaldo se faz presente na construção fragmentada dessa voz poética
que se desloca o tempo todo, entre memórias, lugares e experiências. A
vivacidade se faz presente e é destacada também no prefácio de Celso: ele
afirma que os textos do livro mostram que emoção é para ser sentida, vivida e
escancarada: no palco, nas redes sociais, na vida. E afirma: “Ronaldo faz isso
de peito aberto. Se joga sem rede de proteção.”
A construção do eu em meio ao racismo,
colorismo e o ser nordestino
Do interior de Pernambuco para uma
grande cidade do Sudeste, Ronaldo fez esse e outros caminhos para chegar no
aqui e agora. “Avôa” é o resultado dessa travessia, segundo o autor, porque ele
— como homem negro, nordestino e com sexualidade que pulsa sem preconceito —
precisou construir sua identidade sozinho.
Suas referências literárias também
circundam sua migração: o autor cita Clarice Lispector, João Cabral de Melo e
Ariano Suassuna, todos autores com forte relação com seu estado de origem. E
ainda vai além, também alcançando a portuguesa Grada Kilomba, do outro lado do
Atlântico, que também é citada no livro a partir da frase “Eu não sou
discriminada porque eu sou diferente, eu me torno diferente através da
discriminação”, que abre um capítulo com poemas sobre
racismo, colorismo e ser nordestino.
Os deslocamentos do autor também
envolvem a descoberta de si, seu corpo, sua arte, sendo o teatro parte desse
processo. Nada mais natural então que ele liste Nelson Rodrigues entre suas
muitas influências.
O que motiva a escrita de Ronaldo é o
que ele capta ao seu redor e dentro de si enquanto vive: “Eu escrevo o que escuto. Uma fala dita por alguém,
uma lembrança de algo que alguém me disse. Eu escrevo a partir da oralidade. Eu
registro a oralidade.” A linguagem, as
temáticas e as referências escolhidas pelo autor para compor “Avôa” são
propositais. Para ele, "a oralidade é ferramenta poderosa do povo
negro e nordestino." E fica evidente que essa busca por
esse registro faz parte de seu percurso pessoal quando o autor destaca que dois
poemas do livro, “Abandono” e “Aspirações”, foram escritos quando ele ainda era
adolescente.

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