Cepe reúne dez ensaístas para homenagear Clarice Lispector
O primeiro lançamento do ano da editora será na próxima quinta-feira, dia 14, em evento no Cais do Sertão
O que eu escrevo continua – Dez
ensaios no centenário de Clarice Lispector é
o título do primeiro lançamento do ano da Companhia Editora de Pernambuco
(Cepe). É também o primeiro evento presencial a ser realizado pela empresa
desde o início da pandemia. Organizado pelo poeta e cronista José Mário
Rodrigues, o livro será lançado no próximo dia 14, às 16h, no auditório do
Centro Cultural Cais do Sertão, localizado no Recife Antigo. Durante o encontro
será transmitido um vídeo de Nadia Battella Gotlib, autora da fotobiografia da
escritora, falando sobre a vida e obra de Clarice.
José Mário reuniu ensaios dos
seguintes autores: Raimundo Carrero, Lourival Holanda, Cícero Belmar, Mario
Helio, Luzilá Gonçalves Ferreira, Ângelo Monteiro, Fátima Quintas, Fernando de
Mendonça, Marilene Felinto e texto do próprio organizador, que ciceroneou
Clarice na sua última visita ao Recife, em maio de 1976.
Como disse a jornalista Lêda Rivas na
apresentação, a escritora emerge entre sombras dramáticas, desafiando os que
buscam decodificá-la nesses 100 anos de seu nascimento e 43 de seu
encantamento. “Cada autor pinçou uma nuance específica, mergulhou nas suas
raízes, perseguiu seus passos, caçou seus segredos. Há depoimentos pessoais,
análises críticas, instantâneos inusitados. Labirinto espelhado,
caleidoscópico, tudo em Clarice é mistério. Bem que ela avisou: Tenho várias
caras. Uma é quase bonita, outra é quase feia. Sou um o quê? Um quase tudo.”
Raimundo Carrero conta como foi
designado para ir a um almoço com Clarice. “Um encontro para nunca mais se
livrar dele”, diz. O almoço havia sido organizado por José Mário, que
aproveitou a visita de Clarice para entrevistá-la e aproveitar sua companhia,
sendo o cicerone dela e da assistente, Olga Borelli.
Em seu ensaio sobre a ocasião, o
cronista conta, com devoção, como a salvou de uma crise de pânico e como a
escritora chegou a fazer previsões sobre sua vida, tão mística que era,
chegando a ser chamada de bruxa. “Clarice
possuía uma ‘compulsiva intuição’, como afirmou Otto Lara Resende (jornalista e
escritor mineiro)”, conta o organizador.
SOBRE O AUTOR - José Mário Rodrigues é poeta, jornalista e cronista. Pertence
à Academia Pernambucana de Letras. Sua mais recente publicação foi a reunião de
sua poesia, publicada pela Cepe e que tem como título: O voo da
eterna brevidade, premiado pela Biblioteca Nacional do Rio de Janeiro.
ENTREVISTA
PERGUNTA - Você teve um contato interessante com Clarice. Conseguiu
perfurar a bolha de timidez em que ela vivia, dissipar o pânico e fazê-la
enfrentar o público. Como uma mulher que intimidava o seu interlocutor com sua
beleza, mistério e inteligência, poderia ser conduzida tal qual uma criança a
falar para uma plateia?
JOSÉ MÁRIO - Clarice tomava muitos remédios. Era natural que, diante de
uma grande plateia, acontecesse uma crise de pânico. E foi o que aconteceu na
entrada do auditório do Bandepe (Banco do Estado de Pernambuco, privatizado em
1998), no Recife antigo, onde ela fez uma palestra ou melhor, leu o texto que
havia preparado. O auditório estava lotado. Na época em que ela esteve aqui,
1976, não era um nome tão popular, como ficou depois de sua morte, em 1977. Era
conhecida nos meios intelectuais. Sempre aos domingos, à tardinha, ia ao
Largo Boticário, no Rio de Janeiro, para uma visita ao pintor e poeta
Augusto Rodrigues, o criador das Escolinhas de Arte no Brasil. Eu ainda não
conhecia, pessoalmente, a autora de Água Viva. Perguntei a Augusto
como era Clarice Lispector? Resposta: “Bonita, sedutoramente atraente, às vezes
esquisita, misteriosa, muito inteligente e tem algo de bruxa”.
PERGUNTA - O título refere-se à permanência, à contemporaneidade da obra de
Lispector?
JOSÉ MÁRIO - Retirei o título do livro de um texto de Água viva que
diz: “Tudo acaba, mas o que escrevo continua. O melhor ainda não está
escrito. O melhor está nas entrelinhas”. Toda obra da autora de Laços
de família está alicerçada no mistério, na inquietação, no
desconhecido. Ela mesma disse em entrevistas: “Escrever é procurar entender, é
reproduzir o irreproduzível, é sentir até o último fim o sentimento que
permaneceria apenas vago e sufocador”.
PERGUNTA - Por que o organizador não prefaciou o título?
JOSÉ MÁRIO - Não prefaciei o livro porque eu também queria escrever sobre os
dias em que fui cicerone, juntamente com o escritor Augusto Ferraz, nos quatro
dias em que ela estava revendo o Recife e também alguns familiares. Lembro-me
que estivemos no apartamento de Samuel Lispector, primo de Clarice, na Avenida
Boa Viagem. Sou o único participante do livro que não é ensaísta. Preferi que a
conceituada jornalista Lêda Rivas fizesse a apresentação, que, aliás, está
muito bem escrita.
PERGUNTA - Clarice era bem mística e, além de lhe prometer o contato da
cartomante dela no Rio, ainda fez uma predição para você. Como foi esse
momento?
JOSÉ MÁRIO - Clarice tinha participado de um Congresso de Bruxaria na
Colômbia, como convidada especial. A promessa de me levar para conhecer a
cartomante dela e que morava na Zona Norte do Rio de Janeiro, aconteceu na
Oficina de Brennand, numa visita que fizemos ao grande pintor. Fiquei surpreso,
a princípio. Mas, em outros tempos, eu era chegado às cartas que não mentem
jamais. Uma vez, conheci uma cartomante, em Garanhuns, onde vivi parte da minha
vida, e que tinha o mesmo nome de minha mãe: Noemia. Tudo que ela disse sobre
meu futuro, aconteceu.
PERGUNTA – Quando conheceu Clarice você já tinha lido que títulos dela? Era
um de seus muitos admiradores?
JOSÉ MÁRIO - Antes de conhecer Clarice eu tinha lido, apenas, o livro Água
Viva. Fiquei encantado com a leitura. Depois que a conheci, li A
Maçã no Escuro, A Paixão Segundo GH, Laços de Família, Hora
da Estrela e Felicidade Clandestina. Durante alguns anos,
sempre aos sábados, ela escrevia crônicas no Jornal do Brasil. Essas crônicas
foram reunidas em um livro A Descoberta no Mundo.
SERVIÇO
Lançamento: O que eu escrevo continua – Dez
ensaios no centenário de Clarice Lispector
Organizador: José Mário Rodrigues
Data: 14 de janeiro
Horário: 16h
Local: Auditório do Centro Cultural
Cais do Sertão (Armazém 10, Av. Alfredo Lisboa, s/n)
Preço: livro impresso R$ 30,00,
e-book R$ 12,00
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