Por trás das cortinas: Mônica Lira, um pássaro que sabe voar
Mônica Lira. Foto: Ricardo Labastier |
Por Manoel Constantino
Nascida
em Fernando Noronha, uma ilha paradisíaca e convivendo com poesia da natureza,
Mônica Lira, hoje coreógrafa, fez da dança a sua fonte de vida e inspiração
para mergulhar no mar da criação sem medo. A coragem e determinação são
características de quem sabe que é preciso navegar e descobrir sempre novos
territórios. A garota que viveu algum
tempo ilhada criou asas, abriu horizontes e em 2014 comemora 20 anos de labuta
e arte com sua companhia de dança, o Grupo Experimental, tendo a certeza que
novos desafios virão e que o espírito da dança viverá sempre alimentando seus
sonhos para ser possível transformar a realidade.
Manoel Constantino – O Grupo Experimental comemora 20 anos. Como foi
o começo de Mônica Lira? E quais foram os estímulos que a levaram ao mundo da
dança como a principal atividade da sua vida?
Mônica Lira - Comecei a dançar com sete anos, mas só depois dos 12 é que realmente
me dediquei mais e comecei a praticar outras técnicas e rapidamente descobri,
que queria dança para minha vida! Fiz aulas com pessoas maravilhosas
que me fez cada vez mais me apaixonar, sim porque para dançar, precisa ter
paixão!
Era jovem e imaturo para saber
definir o que a dança fazia comigo ao ponto de não conseguir parar, comecei a
trabalhar com dança aos 17 anos e todo o dinheiro que recebia guardava para
viajar nas férias e me capacitar. Sempre fui muito determinada, hoje posso
dizer que o que me levou a seguir em frente, foi à certeza de que a dança me
completava e me fazia muito feliz. Sinto-me privilegiada, recebi e recebo até
hoje o apoio da minha família e não precisei desistir!
Barro Macaxeira- 20 anos Experimental |
Manoel Constantino – Quais foram as dificuldades enfrentadas como produtora
e coreógrafa de um grupo que hoje atinge 20 anos de carreira?
Mônica Lira - As dificuldades foram inúmeras, primeiro a falta de apoio para manter
o grupo e a mim mesma. Tive que dar muitas aulas e durante muito tempo eu, Ana
Emília Freire, Ivan Dantas, Renata Lisboa e Sonaly Macedo, praticamente
sustentávamos nossa dança. Era exatamente assim, a dança não nos sustentava,
nós que sustentávamos a dança! Mas eu sempre quis mudar essa realidade, não
conseguia entender um trabalho feito com tanto amor e dedicação não conseguir
se sustentar. Acredito que esse sonho de mudança, me fez chegar até aqui!
Coloco aqui um pensamento de Charlie
Chaplin:
"A fé desempenha em nossa vida um papel mais importante
do que supomos, e é o que nos permite fazer mais do que pretendemos. Creio que
aí está o elemento precursor de nossas ideias. Sem a fé não se teriam elaborado
jamais hipóteses e teorias, nem se teriam inventado as ciências ou as
matemáticas. Estou convencido de que a fé é um prolongamento do espírito: negar
a fé é condenar-se e condenar o espírito que engendra todas as forças criadoras
de que dispomos."
Acredito que a dança é o espírito
sempre vivo, a fé sempre moveu e pulsou dentro de mim a esperança de um espaço
conquistado para a dança e sempre trabalhei nessa perspectiva. Vivemos numa
cidade de artistas únicos e não se justifica um povo que vende uma cultura, mas
que a grande maioria dos seus artistas não se sustenta. As dificuldades foram
inúmeras, mas não posso falar sobre elas, quero citar alguns projetos que
considero fundamentais para a cidade e consequentemente para o Grupo e que me
fizeram ultrapassar os momentos difíceis.
Mônica Lira - Conceição - Sobrado |
Criei junto com outros parceiros “O
primeiro encontro Pernambucano de dança” (Grupo Experimental, Shiro Dance e
Gafieira Etc e Tal), depois “O Festival Internacional de Dança do Recife”
(Andrea Carvalho, Mônica Lira e Luiz Tamashiro), “O Movimento Dança Recife”
(Marcelo Sena, Marília Rameh e Mônica Lira). Sempre trabalhei pela dança, junto
com outros apaixonados. Acredito no trabalho coletivo, lutar por uma realidade
e oportunidades de trabalho para a dança tinha que ser um desejo de vários
corações, embalados por várias vozes.
Desenvolvi projetos Importantes para
o Grupo Experimental: “O Núcleo de Formação em Dança”, projeto social que
oferecia formação inicial em dança, para jovens de comunidades. Esse ano o
Núcleo completa 10 anos, esse projeto me fez descobrir e acreditar que posso
fazer mais pelos que tem menos. Sinto-me realizada com ele, não consigo
enxergar meu trabalho sem ter a oportunidade de oferecer aquilo que mais
acredito na vida que é a arte de dançar, um misto de satisfação, alegria, amor,
partilha, valorização do outro que não dá pra definir com palavras. Mas que
infelizmente dependemos de financiamentos.
Outro projeto importante é o
“Reciclarte”, poder proporcionar outros conhecimentos que há quase dez anos
(2005) não tínhamos na cidade, dividir com outros artistas gratuitamente,
cursos teóricos e práticos em dança.
O Experimental conseguiu continuar
por tudo que consegui realizar, todas as criações, viagens internacionais e
nacionais, projetos realizados, uma história escrita por muitos, todos que um
dia contribuíram com esse lugar que dança, foram fundamentais nesse percurso!
Manoel Constantino – Quais são as perspectivas para 2014?
Mônica Lira - Temos dois projetos para serem realizados com financiamento do
Funcultura, uma circulação nacional (Curitiba, São Paulo, Rio de Janeiro e
Fernando de Noronha). O outro uma pesquisa “A dança no corpo desse lugar”, que
começa agora em março.
Mas não dá pra comemorar 20 anos sem
falar sobre a sobrevivência, quero montar um espetáculo (ainda sem nome) que
irá reunir o primeiro elenco do Grupo (citado acima) e o atual (Everton Gomes,
Gardênia Coleto, Januária Finizola, Jennyfer Caldas, Jorge Kildare, Lili Rocha,
Patrícia Pina Cruz, Rafaella Trindade e Ramon Milanez). Vamos dançar a não
sobrevivência da nossa própria alma que muitas vezes temos que guardar para
poder viver. Criar sem financiamento para poder dizer com o movimento esse
sentimento de tantos artistas.
Pretendemos criar o último trabalho
da Trilogia Ilhados (“Pontilhados”), esse ainda vamos captar os recursos.
Comemoração de 10 anos do Núcleo de
Formação.
Sempre penso e sonho com muitos
projetos, nem sempre consigo realizar logo, mas um dia sempre realizo!
Manoel Constantino – Vale à pena mergulhar no mundo da
dança? Quais seriam os melhores caminhos para quem hoje quer começar, sendo
adolescente ou adulto?
Mônica Lira - Quando dançamos mergulhamos num mar desconhecido, mas de um fascínio
que todos nós merecíamos experimentar. Seria simplesmente maravilhoso se todos
nós pudéssemos viver essa experiência, por isso quero poder conseguir continuar
pegando na mão de algumas pessoas e leva-las para esse mergulho particular em
si mesmo, um mar que é seu e todos, sem regras sociais e muito felizes!
O caminho é sempre o primeiro passo,
tomar a decisão e buscar. Para alguns somente, dançar sem compromisso com nada,
dançar pelo simples prazer de mover-se e de repente perceber ou nem perceber o
que a dança fez por você. Para outros que querem se profissionalizar, hoje tem
o curso de dança na UFPE, uma conquista (Movimento Dança Recife) dos que dançam
verdadeiramente e que lutaram por esse espaço de aprendizado formal na cidade,
ainda é um curso só de licenciatura, mas um espaço para os que querem estudar a
dança. Existem inúmeras escolas na cidade, espaço dos grupos profissionais que
oferecem aulas regulares, além de projetos sociais para os que não têm
condições de pagarem.
Conheço muitas pessoas que chegam pra
mim dizendo que gostariam de dançar, mas nunca procuraram fazer uma aula,
muitos por vergonha, receio, medo, mesmo que a maioria não queira se
profissionalizar, digo que, a dança sempre nos recebe de braços abertos, basta
vir com a alma e o melhor dos seus sentimentos.
Independente da idade, todos
deveríamos dançar algum dia na vida!
Manoel Constantino – Como descobrir talentos?
Mônica Lira - Dando oportunidade, nós Pernambucanos somos um povo dançante. Além do
mais, nunca conheci alguém que não conseguisse dançar, quando se determinava
aisso,se dando essa oportunidade. Independente de ser dança, temos talento para
tudo que quisermos ser, mas a fé (que Chaplin fala) de conquistar e persistir
no que quer pra sua vida é uma escolha de cada um. Pra mim, todos nós temos
talentos para dançar. Posso dizer que através do nosso projeto de formação,
pude dar essa oportunidade, alguns conseguiram se descobrir nesse caminho, outros
simplesmente passaram e aqueles que não tenham seguido, descobriram algo dentro
deles, mesmo que não tenha sido talento pra dança, algo ficou de muito
significativo!
Manoel Constantino – Qual o seu maior sonho como coreógrafa do
Recife?
Mônica Lira - Ter vários grupos de dança financiados é inadmissível uma cidade como
Recife que tem o Frevo como Patrimônio Imaterial da Humanidade, não ter nenhuma
companhia municipal ou estadual de dança. Que os empresários pudessem olhar
para outros horizontes, investindo em Arte de qualidade e não somente em
eventos de massa. Que o nosso Governo recebesse as novas empresas que queiram se instalar em Pernambuco e pudesse propor, para que elas
invistam na cultura local, através de editais próprios ou mesmo da Lei Rouanet,
financiando Grupos de Dança, Teatro, Musica, enfim que pudéssemos ter mais
teatros e valorização da arte. Lugar aonde tantos vêm beber, mas que poucos
matam a sede dos que aqui estão e permanecem!Vamos continuar construindo nossa
história, deixar que as raízes sejam sólidas, pois temos uma identidade que
precisa ser preservada e respeitada, mas acima de tudo valorizada!
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