Entrevista: Belo Xis
Texto e fotos: Gianfrancesco Mello
Belo Xis
Filho de sambistas, o samba é o ritmo que sempre guiou a vida do cantor e compositor Antônio
José de Santana, popularmente conhecido como Belo Xis. Este ano, ele comemora
40 anos dedicados à música. Belo Xis é o puxador oficial da escola Gigante do
Samba, da Bomba do Hemetério, Zona Norte do Recife, e faz parte da ala de
compositores da Unidos da Tijuca, no Rio de Janeiro. Tem 12 CDs gravados e já
tocou com grandes nomes como Zeca Pagodinho, Arlindo Cruz, Leci Brandão e Chico
Silva. Influenciado também pelas músicas de Luiz Gonzaga, o artista conversou
com o repórter Gianfrancesco Mello sobre o seu histórico profissional até o
sucesso atual e ainda sobre o Dia Nacional do Samba, que é comemorado no dia 2
de dezembro.
Agenda Cultural – Como começou sua paixão pelo samba?
Belo
Xis – Fui criado no meio do samba. Meus pais e meus tios eram
todos sambistas. Eu morava na Rua Santo Moreira, no Cordeiro, e lá o meu pai –
nos fins de semana – reunia a família e os amigos para tomar batida (bebida da
época) e ouvir samba. Era uma grande confraternização semanal no quintal de
casa entre minha família e os amigos. E eu ficava como discotecário. Tinha um
pé de carambola no meu quintal e o meu pai possuía um alto-falante chamado de
corneta que ele amarrava em cima do pé. Como eu era o discotecário, trocava os
LPs que meu pai já tinha selecionado para tocar. Eram artistas como Ciro
Monteiro, Jorge Veiga, Roberto Silva, Germano Matias, Jamelão, Elizete Cardoso,
entre outros artistas tradicionais. Mas gostava de jogar bola com os meus
amigos e o meu pai junto com um dos meus tios me dava dinheiro para eu não sair
de lá. Eu até achava bom porque eu podia ir comprar meus gibis e, à tarde, eu
assistia seriados no Cine Cordeiro. Nessa época, morávamos na casa da minha
avó, Dona Maroquinha.
Depois
de um tempo, meu pai comprou uma casa no bairro da Torre, próxima da praça. E o
samba sempre rolava na minha casa. Aquele ritmo foi entrando na minha cabeça de
uma maneira tal que só comecei a pensar em samba. Ao mesmo tempo, tinha um tio
meu que morava no Bairro de São José e, na época, já existia a escola de samba
Estudantes de São José. Foi assim que comecei a me entrosar com as escolas de
samba. Ao mesmo tempo, na Torre, tive oportunidade de jogar futebol como
goleiro do Santa Cruz na categoria juvenil. Com o tempo, fui para o América do
Recife. Eles me chamavam de Santana. Aos 19 anos, fui jogar no juvenil do Vasco
da Gama, no Rio de Janeiro. Como estourei a idade no juvenil, fui ser jogador
profissional no Madureira a convite do meu treinador do juvenil do Vasco, que
foi chamado para trabalhar lá. No Rio de Janeiro, eu era conhecido como
Toninho.
Madureira
é o berço do samba. Quando eu cheguei lá, encontrei Roberto Ribeiro, que tinha
vindo depois de uma passagem pelo Goytacaz Futebol Clube de Campos, da cidade
de Campos dos Goytacazes, e também do Fluminense. Eu fui morar na concentração
do Madureira. Fiquei dividido entre o time Madureira e as escolas de samba
Portela e Império Serrano. Mas, ao mesmo tempo, minha família morava em Nova
Iguaçu e os meus primos já eram ligados com a Mocidade Independente de Padre
Miguel. Eu mesmo já tinha uma identificação com a escola porque eu achava esse
nome muito bonito (Mocidade Independente de Padre Miguel). Foi a partir desse
momento que me entrosei, ainda mais, no Rio de Janeiro. Na época, Roberto
Ribeiro já estava deixando o futebol porque ele já era intérprete da Império
Serrano. Lembro que, durante as nossas viagens para jogar, rolava muito samba e
a batucada comia. Na ocasião, eu também já sentia minha tendência para o samba.
No entanto, eu fazia parte da Mocidade porque seria muito visado na Madureira e
poderia sofrer algum preconceito por ser jogador e gostar de samba. Isso porque
as pessoas sempre ligavam o samba com bebida, e jogador que bebe não era bem
visto.
Quando
voltei ao Recife, fui gerente de uma empresa. Tinha tudo a minha disposição.
Teve um tempo que joguei no São Domingos, em Maceió. Mas o que eu queria mesmo
era ser sambista. Por esse motivo, criei um grupo de samba chamado Sambig Show.
Lembro que já existia um outro grupo chamado Samba 5. Então, esses dois grupos
começaram a fazer sucesso nos anos de 1970. Também comecei a me envolver com a
Gigante do Samba, no qual ganhei vários sambas.
Agenda
Cultural – Com início de sucesso nas noites pernambucanas, você voltou para o
Sudeste do Brasil?
Belo
Xis – Sim. Fui a São Paulo fazer parte da ala
de compositores da Mocidade Alegre e passei também pela Rosas de Ouro. Com o
tempo, retornei ao Recife e continuei na Gigante do Samba, mas com uma bagagem
maior. À noite, durante uma apresentação, surgiu uma pessoa dizendo que era
diretor artístico da gravadora Continental. Fiquei meio sem querer acreditar,
mas guardei o cartão dele. No outro dia, eu olhei o cartão melhor e vi que se
tratava de Moacir Machado. Fui logo encontrar com ele. Veio, então, o primeiro
contrato pela Continental. Isso aconteceu no mês de maio e ele pediu que eu
fosse para São Paulo em julho. Chegando lá, com tudo pronto para gravar o meu
primeiro LP, o Moacir teve um desentendimento com a direção da Continental e
tudo foi por água abaixo. Eu chorei. O problema é que a imprensa pernambucana
já tinha feito toda aquela propaganda de eu ser o primeiro sambista
pernambucano a gravar um LP em uma gravadora. Decidi continuar por lá e
batalhar. Liguei para o meu pai e ele me deu muito apoio para continuar. Pedi
ajuda a um amigo meu que era dono de um hotel para me deixar ficar por lá. Eu
tinha levado uma fita K7 e comecei a rodar em várias gravadoras, mas ninguém se
interessava.
Depois
de um tempo, finalmente, fui a uma gravadora e que estava gravando era Nando
Cordel. O nome da gravadora era Ariola. Contei ao Nando o que aconteceu e que
estava na luta há uns três meses. Nando me apresentou a Pedrinho da Luz.
Pedrinho disse que já tinha esgotado a verba de produção e que não podia fazer nenhum
outro disco. Isso já era no meio de setembro e as gravadoras gostavam de lançar
os LPs em dezembro. Estava muito em cima. Quando saí, voltei e falei:
“Pedrinho, como você vai saber sobre o meu som? Você nem me escutou. Vou deixar
uma fita K7 e você escuta na sua casa. Amanhã, eu venho buscar a fita porque à
noite eu volto pra o Recife. Fui no outro dia e nada dele chegar. Deixei um
bilhete com a secretária do Pedrinho para ele mandar a fita pelo malote para
Silva Jamaica, da Ariola no Recife, e fui embora.
Quando fui
saindo da gravadora, um cidadão correu atrás de mim e gritou meu nome. Ele
disse que Pedrinho tinha chegado e que queria falar comigo. Voltei. Ele demorou
a me chamar e, quando me chamou, me recebeu na porta dizendo: “Parabéns! Vou lhe gravar. Já marquei tudo. Você não
volta pra o Recife agora. Ligue pra sua família.” Caí no choro porque foi muita
luta para conseguir aquele sim de uma gravadora. Gravei meu primeiro LP pela
Ariola e o disco foi lançado em dezembro. Isso foi em 1984, mais ou menos. Só
que todos os discos de samba eram gravados no Rio de Janeiro e eu estava em São
Paulo. O meu sonho era gravar no Rio. Quando conversei com ele, Pedrinho disse
que eu iria para o Rio de Janeiro passar uma semana lá e que eu retornaria para
São Paulo junto com os melhores músicos da época para gravar. Isso porque a
verba era de São Paulo e eu tinha que gravar em São Paulo. Fiquei mais aliviado
e tive a oportunidade de gravar com nomes como Rafael Rabelo (sete cordas) e
Wilson das Neves (baterista), além de ter o arranjo feito por Zé Menezes. Foi
assim que surgiu o LP Sambando no meio do povo.
Agenda
Cultural – Por quais outras gravadoras você passou depois do seu primeiro LP?
Belo
Xis – Gravei dois discos na Ariola. Quando
o selo da Ariola acabou, fui para a Continental, que foi a primeira que tentei
e deu toda aquela história de cancelamento. Fiz dois discos pela Continental,
dois com a RGE e mais um com a Atração. Depois, gravei com João da Condil, da
Som Livre. Gravei também com a Som Master. Foi assim que a minha carreira
deslanchou. Sempre viajo para outros estados e eu, hoje, consolidei meu nome.
Prefiro ficar mais aqui no Recife por ser uma cidade multicultural.
Agenda
Cultural – Foi e é um grande esforço lutar pelo samba?
Belo
Xis
– Eu lutei muito pelo samba. Pernambuco é
considerado a terceira capital do samba no Brasil. Comecei lutando sozinho e, hoje,
temos muitos outros representantes no Estado. Eu criei aqui a primeira casa de
samba chamada de Ensaio Geral, na Avenida Beberibe. Depois, surgiu o
restaurante da Wanda, que se tornou o Pagode da Wanda.
Agenda Cultural – Sempre o chamam de Belo
Xis. Eu mesmo o chamei de Belo Xis. Como surgiu esse nome?
Belo Xis –
Tenho um amigo chamado Jorge Valadares e morávamos juntos na Torre. Lá também
morava outro amigo, Gustavo Krause. Jogávamos bola e ainda realizávamos
campeonato de futebol de botão. Isso a gente fazia na garagem da casa de
Gustavo Krause e como eu tinha uma letra melhor, fiquei responsável por fazer a
tabela. Eu coloquei, por exemplo, Sport x Santa Cruz. Entretanto, o X que fiz foi num estilo meio gótico.
Lembro que Gustavo e Jorge disseram que estava bom, mas perguntaram por que eu
tinha feito o X daquela maneira.
Falei para eles pararem de reclamar, porque se era bom não era pra reclamar. Eu
disse que o X tinha ficado um Belo X. Depois disso, pegou. Todo mundo
dizia: “Olha! Ficou um Belo Xis”. Até
minhas irmãs me chamam de Belo Xis. Ou seja, o meu nome artístico se tornou meu
nome oficial. Sou o único irmão homem de uma família só de irmãs.
Agenda Cultural – E a boemia? Sambista deve
ser boêmio?
Belo Xis –
O sambista é muito solicitado pela roda de amigos. Também é conhecido pela tradição
de se vestir com um chapeuzinho e de um jeito meio despojado. Muitos adotam
aquela roupa branca... O sambista deve levar a vida numa boa. Nessas rodas de
amigos, sempre sai um uísque, uma cervejinha e
muitos sambas saem desses encontros. Sambista também gosta de frequentar bares
de música ao vivo. Eu, quando quero compor, vou ao Parque 13 de Maio com meus
amigos. Fico compondo naquelas mesas onde o pessoal fica jogando dominó. Gosto
muito de falar de amor, porque transmite positividade. Isso porque não sou
caseiro. Prefiro a rua a ficar em casa. Ando por aí e gosto de passear com os
amigos. Água Fria, por exemplo, é o bairro onde moram meus amigos sambistas. É
lá que cantamos um bom samba, na maioria das vezes.
Agenda Cultural – Parar nem pensar...
Belo Xis –
Não sinto que é momento de parar. Sou saudável e encaro o meu trabalho com
muito profissionalismo. Tenho muito a fazer no samba.
Agenda Cultural – Você é um dos responsáveis
por trazer o Dia Nacional do Samba aqui para o Recife. Como foi esse processo?
Belo Xis –
Pois é. O Dia Nacional do Samba é comemorado no dia 2 de dezembro e já era
forte no Sudeste do Brasil. Há 15 anos, quando voltei de vez pra o Recife,
decidi marcar essa data aqui. O primeiro samba foi na Praça do Arsenal. Na
época, cheguei do Rio de Janeiro e fui direto cantar. Só quem fazia éramos eu e
Ramos Silva. Depois, Wellington do Pandeiro entrou no projeto, mas não era uma
coisa oficial. Muitas vezes, realizávamos o evento com o nosso próprio
dinheiro. De cinco anos pra cá, a gente começou a receber um incentivo maior.
Por meio do vereador Múcio Magalhães, a Prefeitura do Recife decidiu sancionar
a Lei sobre o Dia Nacional do Samba. Este ano, já viemos com a data
oficializada e recebemos um apoio imenso do prefeito Geraldo Júlio. Durante a
comemoração, vamos entregar o Troféu Amigos do Samba ao prefeito e também a
outros nomes que incentivam o samba no Estado. Também vamos contar com sambistas
como Ely Peroais, Ramos Silva, Luiza Pérola, Cris Galvão, Wellington do
Pandeiro e Gerlane Geo, além da bateria da Gigante do Samba, que fará um arrastão no Pátio de São Pedro, área
central da cidade.
Qual a data de nascimento e cidade onde nasceu?? Preciso saber para um trabalho escolar de minha filha.
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