Meu bairro... Moro aqui: Torrões

Polo Parque Arraial Novo do Bom Jesus

Texto e fotos: Gianfrancesco Mello

Nascido nos limites dos bairros de Engenho do Meio, Curado, San Martin e Cordeiro, o bairro que visitamos este mês integra a 4ª Região Político-Administrativa do Recife (RPA-4), a Oeste da cidade, e tem cerca de 30 mil habitantes. Seu nome (Torrões) surgiu no período de 1940, pois na localidade existiam muitas hortas, onde eram plantadas batatas e macaxeiras que, depois de arrancadas do chão, deixavam espaços para os torrões de barro. Nessa época, os terrenos não tinham valor, as mesmas pessoas que povoavam o local eram as que tomavam conta deles e, com o tempo, começaram a ser cobradas taxas por eles.

Torrões
Depois de algum tempo, o político Agamenon Magalhães expulsou do centro do Recife algumas pessoas que viviam em mocambos. Estas migraram para os Torrões e, a partir daí, destacou-se a produção de cerâmica, controlada pela família Mendonça. Logo depois, seus herdeiros construíram uma olaria, dando origem ao nome de uma rua do bairro. Com o passar dos anos, as pessoas se firmam entre a Estrada do Forte (local alvo de conflitos entre os holandeses e pernambucanos no ano de 1630) e o Canal de Torrões, que se dividiu em duas localidades: Torrões de Dentro e Torrões de Fora.

Mara Rúbia, nossa guia
Para nos relatar a história do local e também nos guiar pelos pontos característicos do bairro, convidamos a consultora de Marketing e Recursos Humanos Mara Rúbia Mendonça Ferreira. O mais interessante é que o encontro com Mara foi de forma inusitada: via redes sociais. A partir de então, começamos uma conversa que nos permitiu explorar um pouco mais o bairro dos Torrões. “Em março de 1986, já com 10 anos, lembro-me bem que as ruas eram todas de barro e mal podíamos transitar. Na ocasião, um grupo de militares ocupou parte do terreno onde seria uma praça, chamada ‘Praça dos Previdenciários’, hoje chamada de ‘Praça Asa Branca, localizada próxima ao Presídio Bom Pastor, no Engenho do Meio”, explica a nossa guia.


Roda de Fogo Futebol Clube, em 1992. Foto: Divulgação - blog Roda de Fogo Encantada
A consultora relembra também que, em 1987, alguns moradores da antiga comunidade Coreia foram despejados e resolveram ocupar o terreno do Sítio das Palmeiras. “Existia uma proposta de construir uma Cidade Previdenciária, mas, depois de várias tentativas frustradas, o povo ocupou o resto do terreno e tocou fogo numa vegetação chamada de Bimba de Macaco, formando círculos. Como nessa mesma época estava sendo transmitida a novela Global, Roda de Fogo, ficou então o nome da comunidade batizada com o mesmo nome.” De acordo com Mara, por livre e espontânea pressão, na época do governo Arraes, ficou decidido que lá todos poderiam continuar e o dia 14 de março de 1987 se tornou uma data histórica para esse povo. O ambiente também foi marcado por passeatas, faixas e protestos nas ruas. Surge, então, a comunidade Roda de Fogo, localizada no bairro dos Torrões.

1º Bloco de Frevo (Capiba). Foto: Divulgação - blog Roda de Fogo Encantada
As Arrombadas de Roda de Fogo. Foto: Divulgação - blog Roda de Fogo Encantada
Abrindo parênteses para a Comunidade Roda de Fogo, suas ruas sempre ganharam nomes de atividades importantes que aconteceram em diversas partes do mundo. Um grande exemplo é a Avenida Bicentenário da Revolução Francesa, que foi o movimento revolucionário que ocorreu na França (1789 a 1799), unindo os burgueses aos artesãos e aos camponeses. O lema era “Liberdade, Igualdade e Fraternidade.” Atualmente, está localizada próximo ao terminal de ônibus na Rua do Patrimônio. Nessa rua, palco de muitas lutas, existia um casarão com uma arquitetura secular, onde funcionava uma escola comunitária e a rádio VPR Voz Pop da Roda. Nos dias de hoje, do casarão, restam apenas as paredes. Na região, também existia um galpão da antiga COMCAPA que, depois de desativada, no local funcionou a padaria de Floriano. Enfim, são tantas histórias que para citar todas seriam necessárias diversas páginas da Agenda Cultural do Recife. Todavia, não podemos deixar de falar do 1º Bloco Irreverente da comunidade: As Arrombadas de Roda de Fogo, fundado em 1994. Lá também surgiu o primeiro grupo de frevo, o Capiba. Outro destaque da região é o Roda de Fogo Futebol Clube, que teve início em 1992, e a Associação de Mulheres de Roda de Fogo (AMURF). Já no dia 15 de novembro de 1993, foi inaugurada a Igreja Católica de São Sebastião. Outra igreja também ganha destaque: a Brasil para Cristo, primeira da ala protestante.

Feirinha livre dos Torrões
Feirinha livre dos Torrões
O Coalhadão
Genalro Francisco Bezerra, proprietário do Coalhadão
Voltando às outras localidades dos Torrões, ainda segundo os relatos de Mara Rúbia, por vários anos, ela foi companheira de sua mãe nos arredores do bairro. “Recordo que fazíamos a feira ao ar livre, que até hoje existe, no antigo terminal de Torrões. Em frente, fica uma mercearia onde vendem queijos e, logo mais à frente, tem um ‘point’ chamado o Coalhadão, na Rua Cláudio Brotherhood, que até hoje existe. As coalhadas são produzidas pelo dono do estabelecimento (Genalro Francisco Bezerra), que atende, recebe e serve a todos. Mais à frente, encontramos o Fiteiro do Baixinho (pois ele é bem pequenino mesmo). O local serve de ponto de encontro dos adolescentes, e também onde podem lanchar, conversar e paquerar.” Saindo do Fiteiro do Baixinho, paramos na Academia da Cidade – Círculos Populares de Esporte e Lazer (Polo Parque Arraial/Novo do Bom Jesus), fundada no dia 4 de julho de 2003. Logo mais adiante, na Rua Vinte e Um de Abril, podemos observar a Igreja de Jesus Cristo dos Santos dos Últimos Dias, que impressiona pela sua beleza arquitetônica.

A Pracinha da Vila é um dos points da criançada
Professor Erick Vinícius, do Instituto Filadélfia
Renata Gomes e Stephanie Machado, do Instituto Filadélfia
De lá, fomos direto para a Pracinha da Vila, local de práticas esportivas e recreativas para diversas crianças do Instituto Filadélfia. A instituição, que existe desde 2002, encontra-se na Rua Professor Avertano Rocha, 54. Logo depois, fomos até a Rua Leila Félix Karan, nº 15, onde funciona o Nosso Quintal – Espaço Cultural Alberto da Cunha Melo que oferece todas as sextas-feiras, das 18h à 1h, roda de sanfona e poesia e, aos sábados, das 15h às 20h, o choro pernambucano. No comando do espaço, o produtor cultural Marcos Veloso, que é um verdadeiro apaixonado pelas obras do Rei do Baião, Luiz Gonzaga. E parece que o ritmo sanfoneiro contagiou, de fato, o bairro. Isso porque na esquina da Rua Doutor Aniceto Ribeiro Varejão, encontramos a Praça Luiz Gonzaga, que foi fundada no dia 7 de dezembro de 2012. E foi nesse clima forrozeiro que nos despedimos do bairro dos Torrões. Os conflitos e os protestos ficaram no passado. Atualmente, encontramos uma história (quase apagada) lutando em meio ao crescimento urbano. Alguns ainda resistem e lutam para manter suas raízes culturais e outros tentam se adaptar, na medida do possível, integrando-se ao novo mundo que se forma. 

Confira mais fotos:
Nosso Quintal leva o melhor de Gonzaga ao bairro dos Torrões
Praça Luiz Gonzaga

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