Paulo Almeida apresenta inspiradas pinturas na sua nova série


Paulo Almeida apresenta inspiradas pinturas na sua nova série, Black Market. Mas os acontecimentos pictóricos não são o essencial na produção do artista paulistano. Como atestado nas variadas participações anteriores em alguns dos mais importantes mapeamentos de novos artistas em âmbito nacional o Rumos Artes Visuais, do Itaú Cultural, o Programa de Exposições, do Centro Cultural São Paulo, e o Cultura Inglesa Festival, por exemplo, o sistema de arte, nas suas mais complexas ramificações, é o eixo por excelência de sua obra.

Provocativo é o mote do artista, já que a série Black Market é assentada no olhar da obra de arte não como linguagem e bem cultural, mas sim como capital. Explicando melhor: Almeida extrai da internet, de jornais impressos e de outros veículos de comunicação imagens que retratam episódios que colocam em relevo as transações criminosas e ilegais de obras de arte. Também não escapam do foco do artista registros históricos acerca do tema, como fotografias contidas em livros sobre a pilhagem nazista de bens do gênero, realizada em especial durante os anos da Segunda Guerra Mundial.

Tal mercado negro expõe o que Almeida continuamente investiga em trabalhos diversos. Apresenta a obra de arte como commodity, como um bem que faz girar engrenagens obscuras, a envolver uma franca atividade de círculos criminosos, corrupção robusta e salvaguardas falhas de instituições que teriam de zelar pelo patrimônio artístico-cultural da humanidade. Talvez a centelha do olhar crítico do paulistano tenha sido catalisada quando ele era monitor do MAB (Museu de Arte Brasileira), vinculado à Faap, e percebido que a maior parte das obras nunca vai sair da reserva técnica da instituição e ganhar a luz dos amplos espaços expositivos. Nisso, sua obra dialoga com a de outro jovem artista, o paulista Vitor Mizael, que também tem como um de seus vetores poéticos a discussão crítica a respeito de uma contraditória salvaguarda museológica e da exibição anacrônica de tal patrimônio.


Na sua última grande série, Reflecting the Collection (2011), o artista fez uma operação mais irônica, refletindo (no sentido de questionamento e também de espelhamento) telas-chaves (de valor cada vez maior, é preciso enfatizar) da coleção da Tate Gallery, como as de Mark Wallinger e de David Hockney (com representações tais quais as pinturas fossem captadas a partir de espelhos, com sentidos e direções invertidas, mas escalas e tamanhos idênticos), mostrando o interior mais ‘visível’ de uma instituição.

Já em Black Market, os registros revelam incompletudes e erros: há os espaços em branco de onde telas, desenhos e trabalhos variados foram retirados, ou seja, salas expositivas que têm sua principal função anulada; gatunos com o produto do furto e do roubo na mão, demonstrando o caráter apenas de mercadoria da obra de arte; e policiais e soldados, profissionais a priori alheios ao meio das artes visuais, devolvendo ao circuito institucional o que havia sido extraviado. Assim, a nova série incomoda por exibir, emulando imagens de baixa definição, uma ruptura num sistema que vende a ideia de ordem e organização, elitizado e não permeável a ações que maculam e contaminam. Em uma das pinturas, Almeida é provocativo ao utilizar uma das típicas fotos montadas por policiais de diversos setores, que, ao apresentar a recuperação de determinado bem ou moeda, dispõem cuidadosamente em mesa o produto reintegrado, em especial as cédulas organizadas em maços minuciosamente regulares. Neste caso, tais conjuntos vêm acompanhados de uma obra de arte, escancarando uma relação pouco lembrada e gerando uma fricção entre circuitos aparentemente distintos.

O desgaste da representação é outro dos temas caros ao artista, mas, pouco a pouco, tal abordagem é habilmente trabalhada por ele, ganhando contornos mais interessantes. “Minha discussão não tem a ver com pintura”, afirma ele. De todo modo, a renovação de jeitos de criar suas telas _como, por exemplo, em Olhe Quem Veio (2009), em formato circular, comentando os numerosos espelhos circulares de segurança em condomínios e estabelecimentos variados em São Paulo _ e, claro, seu conteúdo, fazem com que a obra de Almeida dê à pintura elementos contemporâneos de discussão. As telas fundamentadas a partir de registros de baixa definição o aproximam de bons nomes com abordagens similares, como Regina Parra, Rafael Carneiro e Felipe Cama, por exemplo, mas Almeida encontra mais eco em produções como o do mexicano Mario Garcia Torres, com análise pertinente no catálogo da 29ª Bienal de São Paulo. “Recontextualizar certas narrativas esquecidas ou negligenciadas relacionadas à arte é uma estratégia empregada pelo artista não apenas para examinar a historiografia da arte, mas também para desafiar e ampliar o significado e as implicações de um único evento, situado em lugar e momento específicos.”1 Como Vilém Flusser alerta em O Mundo Codificado: “O mundo codificado em que vivemos não mais significa processos, vir-a-ser; ele não conta histórias, e viver nele não significa agir”.

Mario Gioia - Graduado pela ECA-USP (Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo), foi o curador, em 2011, de Presenças (Zipper Galeria), inaugurando o projeto Zip'Up, destinado a novos artistas (que teve como outras mostras Já Vou, de Alessandra Duarte, Aéreos, de Fabio Flaks, Perto Longe, de Aline van Langendonck,Paragem, de Laura Gorski, Hotel Tropical, de João Castilho,e a coletiva Território de Caça, com a mesma curadoria). Em 2010, fez Incompletudes (galeria Virgilio), Mediações (galeria Motor) e Espacialidades (galeria Central), além de ter realizado acompanhamento crítico de Ateliê Fidalga no Paço das Artes. Em 2009, fez as curadorias de Obra Menor (Ateliê 397) e Lugar Sim e Não (galeria Eduardo Fernandes). Foi repórter e redator de artes e arquitetura no caderno Ilustrada, no jornal Folha de S.Paulo, de 2005 a 2009, e atualmente colabora para diversos veículos, como as revistas Bravo e Trópico e o portal UOL, além da revista espanhola Dardo. É coautor de Roberto Mícoli (Bei Editora) e faz parte do grupo de críticos do Paço das Artes.

Serviço:
Museu Murillo La Greca
Neste domingo (28), às 17h, com entrada gratuita
Rua Leonardo Bezerra Cavalcanti, 366, Parnamirim
3355-3127 / 3355-3126

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