Meu bairro, moro aqui... Alto José Bonifácio


Visão panorâmica do Alto José Bonifácio

Fotos e texto: Gianfrancesco Mello

Alto José Bonifácio

Um bairro extremamente cultural e social por causa do esforço e da dedicação popular. É assim que vemos o bairro que visitamos neste mês de outubro. O Alto José Bonifácio é um bairro da cidade do Recife que pertence à Região Político-Administrativa 3 (RPA 3), a Noroeste do centro. Sua população está estimada em aproximadamente 18 mil habitantes e a demarcação territorial é de 57,5 hectares. Quem olha para o Alto, não tem noção dos muitos projetos desenvolvidos por lá. Cheia de casas, a beleza natural da localidade deve ser enxergada com outros olhos. Isso porque o mais bonito da região é o comprometimento social e cultural da população que ali vive.

O surgimento do Alto José Bonifácio se deu pelo desmembramento do bairro de Casa Amarela. Além disso, o local é formado pelo Alto da Serrinha, Alto da Saudade, Alto do Brasil e Alto do Tiro, além do Córrego Euclides, José Grande e Domingos Sávio. Oficialmente, o local foi declarado bairro por meio da Lei municipal nº 14.452 do ano de 1988, que redefiniu as coordenadas geográficas e criou os atuais 94 bairros da cidade. A ocupação do Alto, como a da maioria dos morros da região de Casa Amarela, começou no início do século XX, com o aluguel do chão por parte de algumas famílias que eram grandes proprietárias de terras da região.

Clébio Marques, nosso guia
Para ajudar a desvendar os segredos do bairro, a equipe da Agenda Cultural do Recife aportou no Alto e começou a observar o dia a dia dos seus moradores. Para nos orientar e apresentar o ponto de cultura a Noroeste da capital pernambucana, o articulador cultural Clébio Marques foi o nosso guia. Logo no início, subindo pela Rua Alto José Bonifácio (a principal rua de acesso ao bairro), ficamos sabendo que a rua também é conhecida como “Ladeira do Boi”. O nome foi dado porque ali passavam diversos bois criados pela população circunvizinha.


Associação dos Moradores do Alto José Bonifácio
Não poderíamos falar do Alto sem citar a Associação dos Moradores do Alto José Bonifácio, que é referência para quem vive na comunidade. Desde a sua fundação, em 6 de setembro de 1980, tem contribuído para melhorar a qualidade de vida no bairro situado na Zona Norte do Recife. Atualmente, a associação possui sede própria (desde 1984), que foi doada pela Arquidiocese, e a mobilização dos moradores resultou em muitos outros benefícios, hoje, usufruídos por todos como a construção da Creche Criança Feliz, a implantação da Unidade de Saúde da Família, a instalação da Escola Estadual Caio Pereira e da Escola Municipal Pastor Paulo Leivas Macalão, a implantação do posto do policiamento, a construção da praça Alto José Bonifácio e de um ginásio de esportes (Quadra Poliesportiva do Alto José Bonifácio).

Ivanilda Cavalcanti, da Associação dos Moradores do Alto José Bonifácio 
Marcos Vila Nova, presidente da Associação dos
Moradores do Alto José Bonifácio
A associação atua através de comissões nas áreas de saúde, educação, segurança, transporte, recapeamento de encostas e barreiras. Na sede da entidade são realizadas atividades profissionais como curso de pintura e gesseiro. As aulas são ministradas todos os dias, das 8h às 11h30 e das 13h30 às 17h. “Já tivemos cursos de hotelaria, garçom e artesanato. Daqui a pouco, teremos também o curso de costureira”, diz Ivanilda Cavalcanti. O local ainda desenvolve o programa Segundo Tempo, uma ação governamental disponibilizada para alunos da comunidade matriculados em escolas públicas. O prédio tem um salão, onde são realizadas atividades gerais, a rádio Ágape FM e salas para futuros cursos profissionalizantes como informática, logística, operadora de caixa e telemarketing. No momento, a sede está em obras e o prazo é que em março de 2013 esteja pronta. “A associação dos moradores presta serviço para a comunidade na questão da educação, de retirada de documento e até no auxílio funeral. O nosso objetivo é mostrar à população a melhor maneira de ela se desenvolver e crescer”, frisa o presidente da Associação dos Moradores do Alto José Bonifácio, Marcos Vila Nova.

A artesã Ana Paula Avelino há quatro
anos desenvolve sua arte
Falando em desenvolvimento, um grande exemplo disso é o da artesã Ana Paula Avelino, que há quatro anos desenvolve sua arte e, aos poucos, torna-se uma microempresária. “Fiz alguns cursos no bairro de Vasco da Gama e outras coisas aprendi sozinha. Sei confeccionar estampas em panos de prato, bonecas e muitas outras artes. Tudo é trabalho caseiro”, explica. O atelier Ana Paula Avelino fica na Travessa da Rua Visconde Sá Bandeira, 60. Para solicitar o trabalho da artesã, basta ligar para o telefone 8525-3269.

Escola Estadual Caio Pereira
Outra referência local é a Escola Estadual Caio Pereira. O patrono era jornalista, estudioso de línguas e trabalhou no Jornal do Commercio. Foi aluno do antigo Instituto de Pernambuco e da Faculdade de Direito, onde se tornou amigo do governador Agamenon Magalhães. Caio Pereira nasceu no dia 22 de abril de 1895, na cidade de Palmares, onde voltou para trabalhar como promotor. Ele morreu no dia 13 de julho de 1939 e, para homenagear o amigo, Agamenon Magalhães colocou o nome dele em uma escola e em uma rua da capital pernambucana. Não se sabe a origem oficial da Escola Estadual Caio Pereira. Entretanto, há estudos que comprovam ser de 1958. “Os últimos documentos que encontramos datam de 1958, mas acreditamos ser de antes. Muitas coisas foram perdidas, pois servimos de abrigo dos desabrigados da cheia que deu na cidade no ano de 1974”, esclarece Jacqueline dos Santos, diretora adjunta da escola. Ainda de acordo com Jacqueline, a escola é a alma do Alto José Bonifácio. “Estamos no centro da comunidade e perto da quadra poliesportiva. Além disso, somos a única escola estadual da redondeza. Quem nunca passou pela escola, ao menos já teve um filho, um sobrinho ou algum conhecido que já estudou aqui. Temos alunos de todas as ruas do Alto José Bonifácio”, completa. O nosso guia Clébio Marques, que é líder comunitário e professor da escola, fala que, até 1973, a escola era chamada de Grupo Escolar e só a partir de 1974 passou a ser escola estadual.

Jacqueline dos Santos, diretora-adjunta da escola
A Escola Caio Pereira também desenvolve projetos sociais como, por exemplo, o Amigos do Morro, que tem como um dos objetivos principais prevenir a comunidade contra o deslizamento das barreiras desenvolvendo trabalhos com as famílias que habitam em áreas de risco nas encostas das barreiras do Alto José Bonifácio. A Caio Pereira ainda serve de local de ensaio da Banda Marcial Caio Pereira, fundada em 24 de abril de 1985 por um grupo de alunos que fazia parte de um grêmio livre com apoio da professora Jane Coutinho. Hoje em dia, a banda é constituída por 50 alunos da escola e 15 outros jovens da comunidade, perfazendo um total de 65 jovens. “Seja com alunos ou ex-alunos da escola, fazemos um trabalho de socialização e musicalidade. A música hoje é uma forma de resgatar os jovens. Os nossos ensaios são realizados nas terças e quintas-feiras, das 12h às 13h30 e das 17h às 19h, e aos sábados, das 14h às 18h. Aos domingos, sempre realizamos apresentações e viagens”, destaca Israel Melo, regente da banda e professor junto com Tato Teodoro. A banda já participou no total de quatro encontros nacionais – na Bahia, em São Paulo e no Estado de Pernambuco – e conquistou o vice-campeonato da terceira etapa da Copa Pernambucana de Bandas. “Estamos em sétimo lugar no ranking nacional. Isso só aconteceu porque sempre tivemos o apoio de todo mundo da comunidade e especialmente com os pais dos alunos, com os quais formamos uma grande parceria. Esse projeto sendo realizado dentro da escola faz com que possamos tirar, cada vez mais, os jovens da rua, dando-lhes um futuro melhor”, argumenta Israel Melo.

Banda Marcial Caio Pereira
Banda Marcial Caio Pereira
Para Clébio Marques, o trabalho mais importante desenvolvido pela Banda Marcial Caio Pereira é o da inclusão social. “Uma boa parte desses alunos teve dificuldades de aprendizagem e de relacionamento na escola. A banda foi uma forma de trabalhar a inclusão social, tanto em relação à família quanto à coletividade.” Vale ressaltar que Clébio Marques nasceu no Alto José Bonifácio, já foi diretor da Associação dos Moradores (de 1982 a 1984) e, em 1982, criou o Grupo Teatral Pé no Chão, que funcionou durante muitos anos trabalhando o resgate de adolescentes e jovens da região.

Organizadores da Quadrilha Junina Xotear
Além disso, a Caio Pereira funciona como ponto de encontro para os apreciadores do skate. Os interessados podem participar das aulas aos sábados, das 15h às 17h, com vídeos sobre a modalidade esportiva e aulas práticas. A iniciativa conta com o apoio de lojas de skates do Recife e possui cerca de 40 alunos.

A dança também faz parte da história do Alto José Bonifácio. Muitos grupos despontam com suas artes e vêm ganhando notoriedade em festivais como o Pernambuco em Dança e o Concurso de Quadrilhas da Prefeitura do Recife. Recentemente, foi fundada a Quadrilha Xotear, que tem como assistente Sílvio Barros. “Começamos há algum tempo a amadurecer a ideia de colocar uma quadrilha no Alto José Bonifácio por ser uma referência cultural na Zona Norte do Recife. Eu já fui da diretoria de outras quadrilhas e era um sonho realizar algo assim em comunidades carentes. Então, no Dia de Nossa Senhora do Carmo, dia 16 de julho de 2012, fundamos a quadrilha. Sobre o nome, fizemos pesquisas e, conversando com os moradores, decidimos criar a Xotear.” Os ensaios são realizados aos domingos, a partir das 14h. Os interessados podem fazer um cadastro pelo Facebook da Xotear ou pelo blog (www.juninaxotear.blogspot.com). A quadrilha ainda conta com o apoio de Eduardo Ferreira, Rafael Lima e Everton Ramalho. A grafitagem da região também abre os olhos por meio das mãos do artista Kléber Francisco Alves.

Capela que faz parte da Matriz do
Morro de Nossa Senhora da Conceição
Igreja Batista do Alto José Bonifácio,
fundada no dia 2 de março de 1951
O Alto José Bonifácio conta com 12 igrejas evangélicas de diversas denominações. Uma das mais antigas é a Igreja Batista do Alto José Bonifácio, fundada no dia 2 de março de 1951. Na rua principal, pode-se encontrar a Capela que faz parte da Matriz do Morro de Nossa Senhora da Conceição, que faz menção a São José Operário (1º de maio). O Alto também tem em suas origens os terreiros de candomblé. Por causa disso, fomos até a casa do babalorixá Gilberto Manoel dos Santos, que fundou o local no dia 1º de dezembro de 2003. “Não faço reuniões aqui. Esse local serve apenas paras as pessoas que querem fazer alguma consulta. Aqui, a nossa entidade é a Luziara e a nossa orixá é Iansã”, explica. Além do terreiro do Pai Gilberto, a comunidade também tem o terreiro do Pai Kai.

Religiosidade à parte, chegamos a Quadra Poliesportiva do Alto José Bonifácio. Coordenadora do local há cinco anos, Fátima Silva diz que a quadra é o espaço mais procurado para a realização de atividades esportivas, recreativas, sociais e religiosas. “O espaço aqui é aberto a todos”, afirma. Clébio Marques frisa que o espaço tem uma tradição muito forte no que diz respeito ao futebol de salão. “Vários jovens seguiram para a seleção pernambucana e até para a brasileira. O Alto tem esse perfil de revelar craques. Aqui, realizamos o maior e melhor arraial da Zona Norte e temos ainda o Torneio de Queimado praticado por homens. Também estamos criando um coral composto pelos moradores da comunidade. Ou seja, aos poucos, estamos transformando o local em um ponto de cultura significativo”, completa.

Fátima Silva, coordenadora da quadra
Biblioteca Comunitária Amigos da Leitura
Logo atrás da quadra, podemos encontrar a Biblioteca Comunitária Amigos da Leitura, que fica na Rua Alto da Conquista, onde era o antigo 11 Belmonte Futebol Clube. Segundo Fábio Rogério Rodrigues, coordenador da biblioteca, o projeto teve início em 1997. Isso porque a comunidade possuía algumas práticas esportivas e percebeu a necessidade de desenvolver o raciocínio lógico entre os atletas. “Para isso, começamos a realizar um trabalho de arrecadar livros. De 1997 a 2008, funcionou em um espaço de uma comunidade vizinha e, em 2008, a biblioteca foi transferida para a minha casa. Passamos um ano no terraço de casa. Em 2009, conseguimos o apoio do Funcultura e alugamos esse espaço daqui”, detalha. Em 2010, a biblioteca foi inaugurada. “Atendemos o público em geral com atividades culturais, esportivas e sociais. Temos catalogados 2.600 livros de diversos gêneros e as pessoas podem fazer o cadastro de sócio para poder levar até três livros para casa durante sete dias. Temos atividades específicas aqui como em outros pontos da comunidade como é o caso da mala de leitura. Queremos fazer com que a biblioteca vire um espaço dinâmico, onde as pessoas possam vir e interagir uns com os outros”, pontua.  A biblioteca funciona de segunda a sexta-feira, das 8h às 12h e das 14h às 16h, e aos sábados desenvolve atividades diferentes em outros pontos da comunidade.

Biblioteca Comunitária Amigos da Leitura
Biblioteca Comunitária Amigos da Leitura
De acordo com Clébio Marques, a biblioteca está situada em um dos pontos mais importantes da cultura da Zona Norte que é o 11 Belmonte Futebol Clube. Fundado em 1954, tudo começou com um grupo de peladeiros que se reuniam regularmente para bater bola. Com o tempo, a pelada foi se tornando mais profissional e os integrantes começaram a disputar campeonatos de pelada. “Antes, era chamado de 11 Brasil Futebol Clube, mas isso gerou problemas administrativos, pois, na época, não poderia usar o nome do Brasil em jogos de peladas. Foi então que os moradores mudaram o nome. Com o tempo e já em um espaço coberto, o local serviu de encontros de gafieira e para a realização de muitos casamentos. Logo depois, tornou-se point de brega e funk. Atualmente, serve como base para a biblioteca.” E assim foi o nosso passeio pelo bairro do Alto José Bonifácio. O local nos deixará saudades, certamente. É óbvio que não conseguimos em poucas páginas visualizar por completo a importância cultural dessa parte da cidade do Recife. Todavia, pudemos aprender e compreender que, se nos unirmos, podemos transformar a nossa realidade e tornar o mundo um pouco mais respirável.  

Mais fotos:
Posto policial do Alto José Bonifácio
Troféus conquistados pelos
atletas do Alto José Bonifácio
Terreiro do Pai Gilberto

A grafitagem da região também abre os olhos por meio das mãos do
artista Kléber Francisco Alves
Creche do Alto José Bonifácio
Praça do Alto José Bonifácio
Prática do skate na Escola Estadual Caio Pereira
Terminal Alto José Bonifácio

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