Por trás das cortinas/ Fábio Caio

Rasif. Foto: Tuca Siqueira

FÁBIO CAIO: ARTE E VIDA.
Por Manoel Constantino

Fazer uma escolha na vida não é fácil. Aliás, qualquer escolha consciente pode trazer conforto ou desconforto. Na vida profissional, ainda se torna mais difícil porque a partir dessa escolha é que atuaremos no mercado e muitas coisas interferirão no cotidiano, nas relações afetivas e no crescimento pessoal. Sair, por exemplo, de um campo como o de engenharia ou de uma carreira bancária e partir, sem pestanejar, para o campo das artes, não é lá tão fácil como pode parecer. Mas o encantamento provoca mentes e corações. E, acertadamente, Fábio Caio deu o salto, aquele salto que faz dele, hoje, um dos artistas das artes cênicas mais respeitados.

Fábio Caio é graduado em artes cênicas pela UFPE. Vem atuando como produtor, bonequeiro, aderecista, performer e ator em espetáculos de teatro e teatro de bonecos; como arte-educador trabalhou com adolescentes e jovens na arte do teatro e do teatro de bonecos através de seu trabalho em organizações não governamentais. Sócio-fundador do Mão Molenga Teatro de Bonecos onde atua desde janeiro de 1986, para o qual criou e executou bonecos para os espetáculos Algodão-Doce, O Fio Mágico, Babau, A Cartola Encantada, tendo também dirigido as oficinas de criação de todos os bonecos da série 500 Anos, realizada para a TV Escola/MEC. Foi membro do Conselho Municipal de Cultura. Fundou com outros artistas pernambucanos em 2003 o Coletivo Angu de Teatro e atua como ator nos espetáculos Angu de Sangue, Ópera e Rasif. Integra desde julho de 2007 a equipe dos Doutores da Alegria Recife. Vamos para a entrevista:

Leco. Foto: Tuca Siqueira
Manoel Constantino – Como aconteceu o seu alumbramento pelas as artes cênicas e quais foram suas referências?

Fábio Caio – Costumo dizer que o boneco me abriu as portas do teatro. Antes dele, o boneco, o teatro não existia. Depois de um experimento com o teatro de fantoche, numa descompromissada apresentação para um grupo de crianças, o bicho pegou. A experiência de ter o público ali se divertindo comigo deixou uma marca que mudou minha vida. Estudava engenharia elétrica na ocasião e percebi prontamente que eu estava no lugar errado. Da escola de engenharia até o centro de artes e comunicação foi um pulo. Não me arrependo, nem mesmo nas horas em que o extrato bancário gritava mais alto, quer dizer, mais baixo. Quando se está no caminho certo tudo favorece. 


Manoel Constantino – O mamulengo corre em suas veias. O artesão, o fazedor de bonecos concorre afetivamente com o ator no teatro humano?

Espetáculo Algodão doce. Foto: Ivana Moura
Fábio Caio – Na verdade não existe essa diferença. Não consigo fazer distinção. No teatro de bonecos a escolha da técnica está diretamente relacionada com o tipo de espetáculo que queremos levar à cena. Marionete, fantoches, manipulação direta, máscara ou meu próprio corpo, são apenas o meio de chegar ao principal objetivo: comunicar-me com o público. No começo, havia o boneco, em seguida veio o teatro (o de bonecos) e só depois o teatro com atores humanos. Posso salientar que o boneco me mostrou o verdadeiro caminho para estar a serviço de um personagem. Nestes quase 30 anos dedicados à arte de interpretar, alguns personagens se destacam e cito por exemplo a macaquinha Heleninha. Quando manipulo essa boneca, o foco sai completamente de mim, saio do meu ego para doar-me completamente a esse ser que fala através de mim. Efetivamente sou o mesmo estando ou não meu próprio corpo em cena. Não sou bobo de não perceber o quanto já fiz pela cultura e pela arte, mas isso só foi possível porque no fundo estava (e ainda continuo) em busca da minha própria essência.

Babau Cassimicoco. Foto: Carla Denise
Manoel Constantino – O que há de mais gratificante em participar de uma companhia de teatro, a exemplo do Mão Molenga e Coletivo Angu?

Fábio Caio – Quando um espetáculo entra em cartaz é porque antes houve muito trabalho. Da concepção à estreia há um monte de trabalho. Ensaios, muitos e exaustivos ensaios. Pra que o trabalho seja bem feito precisamos nos dedicar muitas horas. Que essas horas então sejam compensadoras e deem espaço para o crescimento. Fazer parte de um grupo significa estar junto de pessoas que têm os mesmos objetivos. Não acredito num teatro que não leve ao autoconhecimento. O Mão Molenga, o Coletivo Angu de Teatro e mais recentemente os Doutores da Alegria são os meus filhos. Cada um à sua maneira me cobra a presença, me exige atenção, trabalho e dedicação. Os resultados são sempre compensadores. O grupo é a verdadeira escola. Se hoje realizo um bom trabalho é porque houve uma troca justa entre os componentes de cada grupo de que participo.

Manoel Constantino – Como você concilia tantas funções? O ator, o bonequeiro, o arte-educador?

Fábio Caio – De certa forma, quando começamos a aprender a fazer teatro, mergulhamos num mundo onde somos obrigados a fazer muita coisa. Se não produzirmos não haverá trabalho. Três turnos, no mínimo, é a agenda do ator. Com o tempo, somos obrigados a ser seletivos e a sobreposição de funções vai dando lugar à alternância. Hoje em dia, em benefício da minha própria sanidade, vou alternando as atividades para poder executá-las com a qualidade de sempre.

Manoel Constantino – Para você, como artista muito atuante, o que falta para que as artes cênicas tenham seu salto qualitativo e de mercado em Pernambuco?

Fábio Caio – Se perguntarmos a qualquer ator (atriz) – diante de todas as contradições que enfrenta para produzir, das dificuldades para colocar um espetáculo em cartaz e levar o público até sua obra, de todas as implicações que envolvem a manutenção de uma companhia de teatro – porque ele faz teatro, seja lá qual for sua resposta, haverá sempre um componente que conduzirá à seguinte conclusão: não podemos ou não conseguimos deixar de fazê-lo. Gostaria muito que cada artista desta cidade pudesse se dedicar apenas à sua arte e que essa arte pudesse estar accessível a toda população, o salto viria quanticamente.

Você imagina o cirurgião indo ele mesmo buscar seus pacientes, indo comprar as gazes, seringas e agulhas, preenchendo as fichas e prontuários, limpando a sala de cirurgia e só depois disso tudo abrir seu paciente para resolver um caso de vida ou morte? Se tivéssemos condições adequadas para cuidar unicamente do nosso ofício poderíamos contribuir e muito para uma mudança definitiva não só nas artes cênicas mas em toda a sociedade. 

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