Meu bairro... Moro aqui / Pina
Praia do Pina |
Por: Erika Fraga e Gianfrancesco Mello
Fotos: Gianfrancesco Mello
“Um belo estuário e recanto de mar aberto ao infinito. Esse território de manguezais e pescadores possui uma paisagem física e humana permeada de lutas e conquistas.” Palavras como essas descrevem muito bem o sentimento de quem nesta terra nasceu ou a escolheu para viver. Dando continuidade à editoria Meu Bairro... Moro Aqui, vamos explorar o Pina, um dos bairros mais poéticos e fervilhantes da cultura recifense. Para esse passeio, escolhemos como guia a artista plástica Sandra Paro – nascida em São Paulo e radicada no Recife – que vai nos ajudar a entender um pouco do passado e do presente desse local.
Igreja do Pina, na Avenida Herculano Bandeira, em 1920. Foto: Divulga Pernambuco |
Situado na Zona Sul da cidade, entre Cabanga, Boa Viagem, Brasília Teimosa e Imbiribeira, a localidade possui uma área de 616 hectares . De acordo com o último Censo demográfico de 2010, realizado pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o bairro tem uma população de 29.176 habitantes. O Pina, tal como o conhecemos hoje, foi construído por ilhas e terras alagáveis – fato que gerou um desafio para ser ocupado – o ambiente foi inicialmente habitado pelos colonizadores portugueses, que logo instalaram a Fazenda Nossa Senhora do Rosário da Barreta. Em seguida, vieram os judeus, que, liderados por André Gomes Pina e por seu irmão conhecido como Cheira Dinheiro, se instalaram na Ilha Barreta, onde se destacaram pelo comércio de açúcar. A influência dos irmãos foi tão grande que o bairro herdou o nome da família. Toda a ocupação do bairro aconteceu de forma natural, fato que resultou em uma vizinhança tranquila, com ares interioranos e moradores pacatos e prestativos. “Costumo dizer que o desafio geográfico fez nascer a principal característica do Pina: a expressão da arte e dos saberes construtivos”, destaca Sandra Paro.
Nossa guia Sandra Paro |
As manifestações artísticas e as festividades foram fundamentais para que o Pina tivesse as características que tem na atualidade. Um dos pontos mais frequentados na década de 1830 era o Cassino Americano. Localizado na orla da praia de Boa Viagem, ele funcionava no Edifício Caiçara, atualmente considerado um símbolo cultural pela sua história e seu projeto arquitetônico neocolonial. “O Cassino foi inaugurado no começo da II Guerra Mundial, sendo bastante frequentado por militares norte-americanos à procura de orgia e muita festa. Isso favoreceu a chegada de prostitutas, fazendo com que o Pina pegasse a fama de baixo meretrício”, detalha a nossa guia. Também, durante a II Guerra Mundial, foi criada a Pina Rádio Station, uma das primeiras rádios da cidade, instalada pela marinha dos EUA, que funcionava para dar apoio aos meios navais norte-americanos.
Cassino Americano. Atualmente, Restaurante Boi Preto. Foto: Lucas Liasu |
Um fato que muitas pessoas desconhecem é que lá existia um hospital de doenças contagiosas, onde se tratavam os escravos. O Hospital Lazareto do Pina, como era chamado, permaneceu em funcionamento até 1902. Hoje, o bairro está se transformando em um polo médico, com aproximadamente 40 unidades de saúde divididas entre hospitais, postos de saúde, consultórios e clinicas de diagnósticos, além de posto de saúde da família.
O Pina também é lembrado por suas lendas, e não poderia ser diferente, já que o Recife é conhecido por ser uma das cidades mais assombradas do Brasil. Algumas lendas da nossa capital deixaram de existir apenas no imaginário popular e se imortalizaram no livro Assombrações do Recife Velho, do escritor e sociólogo Gilberto Freyre. Entre algumas lendas da região, conta-se a da Encanta Moça. Rezam essas lendas que o nome suave da vila de Encanta Moça surgiu de uma história assustadora a respeito de uma mulher que havia fugido de alguma coisa – uns dizem que era do marido, outros de um Exu – e que teria desaparecido ao se encantar pelos mangues. Dizem que, nas noites de Lua cheia, ela aparece para atrair os homens, que ficam fascinados por sua beleza. Porém, o conto mais conhecido é o da Santa Menina da Praia do Pina, popularizado como A menina sem nome. O fato considerado verídico aconteceu em 1970, quando foi encontrado o corpo de uma menina morta na Praia do Pina. A notícia rapidamente se espalhou nos meios de comunicação, todavia ninguém apareceu para reconhecer o corpo da criança, razão pela qual fora enterrada como indigente no Cemitério de Santo Amaro. Dois anos depois do acontecimento, a menina foi considerada “Santa” pela população, que atribuíram a ela inúmeras graças alcançadas. Algumas décadas se passaram e o fato continua vivo no imaginário das pessoas, exercendo uma forte devoção entre a população.
Jovens aprendem futebol na praia do Pina |
Em 1920, foi construída a primeira ponte ligando o Pina ao Recife. Em 1926, era inaugurada a atual Avenida Herculano Bandeira, que vai da ponte à beira-mar. Já a Ponte Agamenon Magalhães, popularmente conhecida como a Ponte do Pina, foi inaugurada em 1953 e a Paulo Guerra é de 1978. Atualmente, o bairro abriga importantes prédios e instituições, tais como: o Aeroclube de Pernambuco – que funcionava no Ibura e, em 1941, foi transferido para o Pina; o Teatro Barreto Júnior (antigo Cinema Atlântico), cujo prédio foi comprado e reformado pela Prefeitura do Recife e que, além de teatro, promove projetos de formação para a comunidade; e o Convento e Capela de São Félix, onde está sepultado o corpo do missionário Frei Damião. O local também é conhecido como Convento dos Capuchinhos, espaço de romaria intensa. Em sua vertente religiosa, não se pode esquecer a Igreja Nossa Senhora do Rosário, padroeira do Pina. Essa igreja sempre teve ação participativa na comunidade, tanto no aspecto religioso quanto no aspecto social; a Capela do Menino Jesus e o Patronato da Conceição, no Bode, com muitos projetos sociais e artísticos.
No final da década de 1980, por causa dos diversos bares e restaurantes do bairro, surgiu o que ficou conhecido como o Polo Pina, área de badalação e local de movimentos artísticos e culturais. Hoje em dia, a antiga ilhota possui oito hotéis e pousadas e cerca de 60 pontos de badalação, entre bares, restaurantes e lanchonetes, a exemplo da Pin-Up Burgueria, do Restaurante Máxime (agora Boteco), do Bar e Restaurante Pra Vocês e da Feijoada do Leopoldo e do Nadinho, além, é claro, da Toca do Guaiamum e do Biruta.
Avenida Herculano Bandeira. Sinônimo de desenvolvimento do local |
Com olhar atento às paisagens física e humana, continuamos a observar meio de perto e ao mesmo tempo imaginando o fundamento histórico do bairro. O Pina integra a 6ª Região Político-Administrativa do Recife (RPA-6), que é formada por um total de oito bairros. Seguindo nosso passeio, chegamos à Galeria Joana D’arc, na Avenida Herculano Bandeira. O local é muito badalado à noite e considerado parada obrigatória para o público descolado do Recife. “No momento, a Galeria passa por algumas reformas, no entanto, houve tempos em que o ambiente fervia muito”, recorda Sandra Paro.
Faixa de pedreste do Pina, popularmente conhecida como Chuna |
Elda Viana, rainha do Maracatu Nação Porto Rico |
Em meio à paisagem singular do Pina, seguimos em busca do inesperado. Observamos pessoas circulando livremente pelas ruas, quase despreocupadas com o crescimento urbano dos últimos tempos, além de gente conversando nas frentes de suas casas e o movimento de um comércio por certo interiorano. Chamávamos atenção, óbvio. Eram dois estranhos guiados por uma única moradora. Mas seguimos adiante. Não queríamos enxergar o bairro como se assiste a um teatro de fantoche, mas sim como parte integrante do meio. Por esse motivo, fomos até a Rua Eurico Vitrúvio, na Comunidade do Bode, onde fica localizado o Maracatu Nação Porto Rico e o Terreiro Ylê Axé Oxóssi Guangoubira. “Trouxe vocês aqui porque o Maracatu Porto Rico já conquistou muitos prêmios e representa muito bem os 12 terreiros existentes no bairro. Todas essas instituições desenvolvem serviços sociais efetivos para o Pina. Existem médicos, dentistas, psicólogos e apoio para desenvolvimento profissional. O povo criou essas agremiações para “disfarçar” os rituais e as oferendas para Iemanjá que eles faziam na praia”, diz a arquiteta. Para Jaiana Cavalcanti, de 13 anos, o ritual do Candomblé realça a sua adolescência e a deixa confiante o bastante para nos apresentar os quatro ambientes do terreiro. “Há três ambientes para as oferendas e rituais e outro para os nossos ensaios. Todo sábado, das 10h às 11h, tem oficina para quem está iniciando nos instrumentos musicais do maracatu; das 14h às 16h, é para quem já tem alguma experiência (nível médio); e das 16h às 18h, para os mais antigos, para os que já sabem tocar. As oficinas são abertas ao público e é tudo gratuito. Também temos aula de computação. A sala dispõe de cinco computadores para quem não tem condições de se matricular em algum curso. No dia 25 de setembro, temos aqui, na rua, a Noite do Dendê, época em que fechamos as vias e colocamos um palanque com vários grupos ligados à cultura afro”, pontua a jovem. Já a rainha do Maracatu Porto Rico, Elda Viana, explica sobre o trabalho social desenvolvido com os moradores que cometeram pequenos delitos. “Eles se comprometem a fazer trabalhos voluntários e a pena deles é relaxada. Fora essas atividades, temos a saída do Urso Zé da Pinga”, completa. Nessa mesma rua, encontramos o projeto dos Alcoólicos Anônimos, que começa às 19h30, em dias variados, o seu trabalho de grupo. Mais informações podem ser obtidas pelo telefone 3221-3592.
Capela Nossa Senhora da Conceição, que fica ao lado do Instituto Social das Medianeiras da Paz (Ismepe) |
Quadra Poliesportiva do Ismepe |
Saindo de lá com vontade de aprender mais sobre a riquíssima cultura, Sandra nos fala o porquê daquela parte do Pina ser chamada de Bode: “Antes, era criado muito bode pelos moradores desta região e por isso o nome, mas hoje as pessoas gostam de chamar de Encanta Moça por causa da lenda”. Depois de mais alguns metros, chegamos à Rua Artur Licio, no Bode. Na correria do cotidiano, não se imagina a maravilha que acontece nesta região. Referimo-nos ao Instituto Social das Medianeiras da Paz (Ismepe). O trabalho desenvolvido pelas irmãs medianeiras existe desde 1968 e realiza três tipos de ações: Projeto Convivência (voltado para atender 112 idosos nas sextas-feiras, das 13h45 às 17 horas, cujos trabalhos estão voltados para a área de dança, aeróbica, psicologia e outros atendimentos personalizados); O Praiar (que atende 272 crianças e adolescentes, de 7 a 16 anos. O trabalho é desenvolvido em parceria com o PET, que desempenha trabalhos de erradicação junto com a Prefeitura do Recife. Funciona todos os dias, das 7h45 às 11h30, e as crianças e adolescentes precisam estar estudando). E por fim, o Projeto Mãe Maré (que possui diversos cursos como, por exemplo, os de motorista, camareira, encanador e eletricista). Em frente ao espaço, encontramos ainda o bazar e a Capela Nossa Senhora da Conceição, que abre as portas todos os sábados, às 16 horas. “As irmãs de hoje estão à frente do projeto há oito anos. Ao todo, temos oito funcionários e estamos precisando de voluntários para poder continuar atendendo as 168 famílias assistidas. Quem quiser nos ajudar com doações, pode entrar em contato conosco pelo telefone 3325-0887”, explica a Irmã Fátima, que é assistente social da Instituição. A iniciativa conta ainda com doações de livros para a biblioteca, capoeira, reciclagem (arte) e o curso para preparar enxoval, além do atendimento jurídico em causas familiares. O próximo bazar será realizado no dia 11 deste mês.
Igreja Nossa Senhora do Rosário |
Teatro Barreto Júnior |
“Costumo dizer que o Pina é o Soho do Recife (Soho é um bairro de Manhattan, na cidade de Nova York, nos EUA, notável por ser o local onde muitos artistas possuem lofts)”, classifica a nossa guia, que possui o Atelier Sandra Paro – Arquitetura em Mosaico, situado na Rua Barreiros, nº 31, onde desenvolve projetos artísticos de cunho social interagindo com a comunidade, principalmente quando se percebe uma influência no reaproveitamento de materiais utilizados como sobras de cerâmicas em calçadas, muros, fachadas e áreas internas. Além disso, lá funciona a Fundação Artístico-Cultural Ibero-Americana (FACI - facirecife.blogspot.com.br). Aproveitando a deixa artística, fomos até a Rua Jeremias Bastos, que é repleta de ateliês, 17 para sermos exatos. Avistamos ainda o Mercado do Pina e, olhando mais para o horizonte, deparamo-nos com a Praia do Pina, local onde são realizados os shows ao ar livre, herança talvez do Palanque do Pina, época em que ocorriam muitas manifestações artísticas no ano de 1930. No bairro, também encontramos o Banhistas do Pina, que completou 80 anos em 2012, cuja sede fica na 12 de Julho, o Tubarão do Pina, entre outros.
Um dos 17 ateliês da Rua Jeremias Bastos |
Frei Paulo Amâncio |
Hoje, depois de séculos, a população enfrenta diariamente uma luta descontrolada contra a especulação imobiliária. Há quem diga que os empreendimentos chegaram para contribuir e há quem fale que vieram para apagar uma bela história e tentar se apossar do bairro. O exemplo da atual efervescência da região é o JCPM Trade Center, localizado na Avenida Engenheiro Antônio de Góes. De autoria de Jerônimo da Cunha Lima Arquitetos, o projeto arquitetônico alia beleza e eficiência. Outra grande empreitada do grupo está sendo o Riomar Shopping. “O Riomar veio para modificar ainda mais o bairro e oferecer trabalho ao povo, formando assim o Novo Pina, que já está na ativa pela Av. Conselheiro Aguiar”, acredita Frei Paulo Amâncio. Enfim, mesmo com todas essas transformações, o Pina marcou, marca e continuará marcando seu nome na história da capital pernambucana. Isso porque ele continua intacto e permanece lindo pelos seus olhos naturais.
Olá, adorei o texto, de fato o bairro encanta, estou fazendo meu trabalho de graduação sobre a região da igreja matriz do pina, e então pensei se teria algum contato ao qual pudesse remeter afim de coletar material fotográfico e escrito.
ResponderExcluirMorei no Pina, perto da Igreja Rosa, por 5 meses!! Amei!! Saudades Eternas!!!
ResponderExcluirAmei a matéria nasci na rua eurico vitruvio antiga rua do caju só faltou citar minha avó Edith Alves parteira,india e enfermeira que muito ajudou a nossa comunidade em muitos aspectos acho que ela deveria ser lembrada quem não conheceu edith parteira no bode bons tempos
ResponderExcluirQual o valor de um apto para compra ,em frente ao mar.
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