Meu bairro... moro aqui

Nova Descoberta vista do Alto Treze de Maio

Nova Descoberta  - Parte I

Por Joás Benedito e Raquel Freitas
Fotos Joás Benedito

À distância, as cores confundem o olhar de quem observa. Visto do alto, o bairro de Nova Descoberta se torna latente ao urbanismo prosaico. É a partir desse tracejado verticalizado que o lugar ganha os pigmentos necessários para se tornar uma verdadeira aquarela ao ar livre. Longe de ser uma pintura em acrílico ou a óleo, o bairro que vamos conhecer nesta edição da Agenda Cultural do Recife nos chama atenção não só pelas tonalidades das suas cores, mas sim pelo lugar e a importância cultural que ocupa na cidade do Recife. Concebida a relação entre visitantes e moradores, o lugarejo abre as portas das suas escadarias para nos mostrar o fascínio de cada beco e viela que compõem os seus arredores.
Edvaldo Ferreira Campelo

Bastante movimentado e pouco arborizado, o bairro é desenhado ao redor das estreitas ruas. Para o pedreiro e morador do bairro há 59 anos, Edvaldo Ferreira Campelo, essa mudança no aspecto físico do local se deu em razão do aumento da população. Com esse crescimento, a comunidade se viu carente de investimentos imobiliários, e a solução foi construir, sem planejamento arquitetônico, as suas próprias moradias. Segundo Edvaldo, as transformações mudaram de forma significativa o cenário territorial de Nova Descoberta. “Antigamente, não se via uma casa em cima da outra. Antes, existiam muitas árvores com frutas. Hoje, já não temos mais esse prazer”, garante.
Praça do Largo de Dona Regina

Devido à questão estrutural, os moradores competem com carros e transportes coletivos pelo espaço das principais ruas e avenidas. São por elas, inclusive, que se tem acesso aos bairros vizinhos, como Córrego do Jenipapo, Macaxeira, Vasco da Gama, Dois Unidos e Brejo do Beberibe. O principal acesso é pela Avenida Nova Descoberta. Após a avenida, uma pequena praça, conhecida como Largo de Dona Regina, dá espaço a uma feira popular e a um comércio de roupas. É na bifurcação da principal avenida que as demais ruas se formam. Como, por exemplo, a Rua do Sesi.

Avenida Nova Descoberta

Assim como a nossa casa reflete um pouco de nós mesmos, diz a sabedoria popular, o bairro exala os simbolismos e os significados criados e estabelecidos pela sua comunidade. Os gestos, o respeito com o próximo e a forma de fazer do vizinho um parente são algumas das características que tornam o ambiente urbano um pedaço de civilização familiar. O modo como a vizinhança se relaciona impressiona o antigo morador. “O que me chama mais atenção é o companheirismo, há algumas divergências, claro... Mas a união é imensa, somos solidários um com o outro, como se fossemos uma família”, reforça o pedreiro. É nessa paisagem provocante de bairro de cidade grande, com direito a buzinas e barulho de automóveis, que as histórias se recriam e se solidificam. É nessa tradição hierárquica que os atuais moradores guardam na memória um passado vivido naquele espaço. Dentro de Nova Descoberta, há lugares que guardam lembranças que nem mesmo o tempo vai apagar. Um desses espaços é o Grêmio Recreativo Escola de Samba Favela do Recife. Criado há 20 anos, o espaço, localizado na Avenida Nova Descoberta, já foi a única fonte de entretenimento dos moradores. “Quando eu frequentava o local, na época eu era diretor fiscal da escola, dizia-se que o bom sujeito era aquele que gostava de samba”, afirma Edvaldo, fazendo referência à música de Dorival Caymmi, Samba da minha terra.
Feira popular do Largo de Dona Regina

Mas não é só de samba e de lembrança que uma comunidade segue adiante. Para que o ambiente encontre sua posição como sociedade participativa, faz-se necessária a contribuição de alguns moradores. E são esses voluntários que se preocupam com as lacunas existentes na comunidade. Para isso, eles investem em questões educacionais e sociais do bairro, como organizações não governamentais, escolas, igrejas e postos de saúde, com o intuito de assistir e contribuir para a formação intelectual dos moradores.
Integrantes do GMM

Um grande exemplo disso são os Grupos Mulher Maravilha e o Feminino Córrego da Imbaúba. Apesar de distintos, os grupos mantêm a ideia de compor a organização e a missão de cidadania junto com a formação educacional dos moradores. Uma das responsáveis por esse movimento é Lenira Araújo da Silva, sócia do GMM há 36 anos – desde a fundação do grupo – e Josefa Prazeres da Silva, delegada do Orçamento Participativo e presidente do Grupo Feminino. “Já tivemos diversas atividades, como teatro, palestras, cursos de informática e culinária. Hoje realizamos trabalhos que busquem discutir sobre a temática DST/AIDS”, afirma Lenira.
O outro grupo que atua nas imediações da Avenida Nova Descoberta é o Grupo Feminino do Córrego do Imbaúba. O local, que antes atendia a cerca de 50 crianças, hoje é ocupado por um ponto de vacinação e distribuição de leite. O projeto faz parte do Programa Leite de Pernambuco. Além disso, o espaço é também utilizado para realizar reuniões que envolvam questões referentes ao bairro. “Eu tenho um amor muito grande pelo meu trabalho na comunidade, muitas vezes tive que tirar do meu próprio bolso para realizar muita coisa aqui”, diz Prazeres.
Espaço da Cidadania

São muitas as facetas de um bairro. Construído pelas mãos dos moradores, o lugar vai aos poucos recebendo os retoques da modernidade. Mas, para que ele continue com a mesma essência, é primordial que os cuidados, não só estruturais, sejam priorizados. Isso garantirá que, no futuro, os próximos visitantes e moradores reconheçam sua história, graças à preocupação que se tem em preservar o seu patrimônio material e imaterial, hoje. 

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