Zuleika Ferreira


Foto: Joás Benedito
Por: Joás Benedito

Por sua natureza mágica, o teatro tem o poder de revelar o olhar e os sentimentos que envolvem o universo pessoal de cada espectador. No Recife, cidade prodigiosa nessa arte, a cena teatral se destaca por seus inúmeros atores, autores, produtores e diretores que contribuem para que a cena local prevaleça e se torne um referencial para muitos que a apreciam. Atriz, cantora, dançarina e professora, Zuleika Ferreira não se subestima ao demonstrar o seu carinho e respeito por esses quatro elementos que a tornam mais segura e realizada. O seu apego pelos palcos começou ainda na juventude, quando leu 60 livros sobre teatro em apenas um mês, descobrindo que as artes lhe dariam um novo modo de pensar e de ver o mundo, com menos preconceito e mais poesia.

O teatro a atraiu de que forma? O que a levou a ser atriz?
Passei da infância ao término da adolescência, até meus 20 e poucos anos, sendo atriz sem saber. Isso me fazia sofrer, eram muitos sentimentos dentro de mim e eu não sabia o que era aquilo. Casei e tive filho cedo, passei no curso de biologia e durante todo esse tempo eu vivi uma atriz. As pessoas não me suportavam mais, até hoje eu vivo um pouco disso. Quando estou sofrendo, chorando, as pessoas estão rindo, achando graça da minha dor. Deve ser engraçado o olhar para quem está fora. Gosto muito de fazer comédia, mas me considero uma atriz dramática. Depois que eu comecei a fazer teatro e a me entender através dos livros dos personagens, descobri que aquela menina, aquela professora, que dos 15 aos 19 anos lecionava nas escolas do bairro, não era uma professora, e sim uma atriz interpretando.

Quais são as suas referências e influências artísticas?
Muitas. Minha relação com a literatura voltada para o teatro é muito grande. Para que eu participe de um espetáculo, antes de tudo eu preciso me apaixonar pelo texto. Eu posso amar o diretor, mas se eu não me apaixonar pelo texto, não vai adiantar eu trabalhar. Todos os teóricos do teatro, o grande pai Stanislavski, Isadora Duncan... Durante muitos anos vivi com o livro Minha vida, de Isadora, debaixo do travesseiro. Tive a oportunidade de ter uma formação com os melhores diretores e professores de teatro, como Geninha da Rosa Borges, Rubem Rocha Filho, entre outros.

Como foi representar Maria Bonita no filme Baile Perfumado?
Letícia Sabatella e Patrícia França não puderam fazer o papel. Quando tive a oportunidade, faltavam cerca de quinze, vinte dias... Antes, eu já havia interpretado  Maria Bonita no São João e Forró da Rede Globo Nordeste. Era uma ficção do tipo, Lampião voltando até a cidade de Igarassu nos dias atuais, eram cinco episódios. Já fui sabendo da responsabilidade e da importância daquele filme para Pernambuco, e de interpretá-la. Tinha como referência além da minha vida, a identificação com Maria Bonita, porque sou mulher e nordestina. Não tem uma família vinda do interior que não tenha uma história de um avô que viu Lampião. Se não tem, inventa ou diz que é da família. Houve uma sintonia muito grande comigo, com Luiz Carlos Vasconcelos e com todo o pessoal do cangaço. Fiquei tão ensandecida que passei vinte dias sem ligar para casa. Me fechei e mergulhei naquele universo.

Como você classifica a cena teatral pernambucana?
Fiquei um tempo afastada dessa cena teatral por opção, pois quis cuidar da minha mãe. Eu acho que todo mundo está voltado para os projetos, o Recife precisa de grupos como os de teatro da década de 1970 e 1980 em que as pessoas se reuniam mais. É muito bacana você ter um dinheiro certo, mas é ruim você realizar sozinho dez apresentações. Ficar dependendo dessas leis de incentivo de certa forma deixou os atores viciados. Acredito que o Recife ainda vá renascer. Participei agora do Janeiro de Grandes Espetáculos na comissão julgadora do teatro infantil e fiquei muito feliz, pois vi muitos trabalhos bons. Quando se quer, o Recife faz um trabalho teatral de boa qualidade, nós temos uma história belíssima.

Atualmente, qual é o seu trabalho?
Quando completei quatro anos de balé clássico, senti a necessidade de dar aulas de alongamento e fui estimulada por alguns professores a fazer isso, mas passei mais um ano com Márcia Rocha porque me sentia insegura para dar aulas. Hoje eu divido o teatro com as aulas particulares, é outra coisa que me preenche muito. Trabalho com o que gosto e me sinto à vontade, nem percebo a hora passar.
                                                 
Você acha que as artes cênicas se tornaram banalizadas por conta das novas tecnologias que a televisão e o cinema disponibilizam?
Nunca, teatro é como samba, nunca vai acabar, porque ele é grandioso... Quando eu tomei consciência e me descobri atriz, óbvio, o ator é um ser egocêntrico e o que me levou foi a necessidade de aparecer, passei realmente a ter uma relação de vida que se confunde no fazer teatral, descobri a grandiosidade do teatro que esmaga o ego. Nada, nem a televisão vai acabar com ele. É o teatro que alimenta o ator, poucos deles fazem só televisão, cinema. Mas eles estão lá bebendo, entranhados com o teatro. Ele é grandioso, cura, transforma e educa. A capacidade de transformar é algo maravilhoso no teatro. Transformar o ator e o espectador... Isso é grandioso demais! Você sair de um espetáculo e ele mudar a sua visão de mundo e o seu jeito de ser... Por isso é preciso criar mais oportunidades para os atores. Isadora Duncan disse algo certa vez que me marcou profundamente: “Triste do governo que não cuida dos seus artistas”. Tenho consciência do meu talento das minhas limitações, mas eu poderia trabalhar muito mais no Recife, disso eu tenho certeza. E vou trabalhar.

Comentários

  1. Essa Zuleika já deu aulas de teatro na casa do amor? Se foi ela, por favor entre em contato comigo urgente!!

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