Montez Magno

Dono de uma obra rica e diversificada, este artista chega a sua maturidade com uma história cheia de experimentações e de forte consistência conceitual. Poeta com dez livros publicados, Montez Magno construiu sólida trajetória como artista plástico, linguagem que lhe permitiu explorar diversas técnicas. Em conversa com Felipe Mendes na sua casa e ateliê, Montez discorre sobre os caminhos estéticos da arte contemporânea e revisita um pouco da sua história e obra, assim como a exposição Montez Magno: 55 anos de arte, em cartaz no Museu de Arte Moderna Aloísio Magalhães – MAMAM.

O que surge primeiro: a imagem ou a palavra?
Montez Magno em seu ateliê
Primeiro vem a palavra. Em 1950 eu começo a escrever poesia. A pintura só surge quatro anos depois. Eu fiquei trabalhando nessas duas linguagens, só que morei muito tempo fora daqui, em São Paulo, Madri, Milão, Veneza, no Rio de Janeiro, e esse tempo todo foi mais ocupado com as artes visuais do que com a poesia. Eu escrevia, mas menos do que quando estava aqui. Só depois que eu voltei para cá, em 1970, para ensinar na Universidade Federal da Paraíba, é que eu comecei a novamente me interessar mais por poesia. Escrever mais foi uma coisa positiva, porque eu recuperei muita coisa que estava parada, e foi aqui que eu comecei a publicar os primeiros livros.

Quando a arte o levou para morar em tantos lugares?
Eu expus na Bienal de São Paulo em 1959, minha primeira participação. Em 1961, fui para o Rio de Janeiro, onde passei oito meses, expus na Galeria IBEU – Instituto Brasil-Estados Unidos. Lá conheci Antônio Dias e Emeric Marcier, pintor romeno, além de Mário Pedrosa, grande crítico de arte que, por sinal, é de Timbaúba. Voltei ao Recife. Saí daqui novamente em março de 1962 e fui a São Paulo para uma exposição na Galeria Casa do Artista Plástico. Levei para lá trinta quadros e fui procurar a galerista, Pola Resende, mas ela não se lembrava que a gente tinha marcado uma exposição. Foi uma ducha de água fria, mas eu não desisti e disse: “só saio daqui quando expuser”. A essa altura já tinha conhecido Mário Shenberg, que virou um grande amigo. Ele falou com ela e marcamos a exposição para outubro ou novembro do mesmo ano. Depois fiz outra exposição na Galeria Seta. Em outubro de 1963, ganhei uma bolsa de estudos para a Espanha e passei seis meses em Madri. Trabalhei muito lá, fiz duas séries de trabalhos, uma delas chamada Goyesca, baseada na obra de Francisco de Goya. Quando acabou a bolsa, eu fiquei cinco meses morando em Milão. Depois fui para Veneza e meu hospedeiro, um pintor daqui, Delima Medeiros, me apresentou a um cidadão que trabalhava em uma companhia de navegação da Iugoslávia. Eu troquei um trabalhinho pequeno por uma passagem de ida e volta para a Grécia e me mandei pra lá, onde passei um mês e pouco. Antes de voltar para o Brasil fui a Gênova e de lá peguei o navio para cá. Arranjei um atelier em Olinda e passei três meses trabalhando. Foram esses trabalhos que foram para a Bienal de São Paulo de 1965.

Qual é a sua relação com Olinda, cidade onde você teve diferentes ateliês?
Em 1957 eu fui o primeiro artista da minha geração a botar um ateliê em Olinda. Os outros só foram pra lá na década de 1970. Quando voltei da Europa, abri meu terceiro ateliê na cidade. Depois peguei todos os meus trabalhos e fui embora para o Rio de Janeiro. Voltei em 1970 e aluguei o quarto ateliê em Olinda e fiquei lá de 1970 até 1983. Olinda não tinha nada, muito mal passava um carro. Era uma coisa totalmente fora do tempo. Foi uma escolha também baseada na beleza da cidade, daquelas casas, eu achava que um ateliê num casarão daqueles era mais adequado.

Você começou com a poesia, mas dedicou-se muito mais às artes plásticas. Hoje tem uma longa trajetória como artista visual e dez livros de poesia publicados. Como é, para você, o intercâmbio entre as duas formas de expressão artística?
Pra mim há um conflito muito grande entre a poesia, que é uma arte conceitual, e a pintura, que é uma arte sensorial. Eu sempre vivi esse conflito. Dificilmente eu estou fazendo trabalhos visuais e escrevendo ao mesmo tempo, eu não consigo. No final da década de 1950, eu já tinha dois livros prontos: A ronda dos ciclos – que eu rasguei de forma totalmente idiota – e O livro do profeta. Em 1962, já estava com outro livro, Os cantares de Olinda, que desapareceu também. Perdi tudo. Hoje em dia sinto necessidade de rever esses poemas... Meu primeiro livro só foi publicado em 1978. E nunca consegui fazer a poesia dialogar com a arte visual, isso sempre foi muito difícil pra mim, porque o processo criativo de cada um é muito diferente. Meus livros são muito trabalhados, tudo que eu faço é muito trabalhado, principalmente mentalmente. A elaboração é uma coisa que faz parte... Executar a obra é mais fácil, o mais difícil é a elaboração através do pensamento daquilo que vai ser feito. E todo poema que eu faço estou sempre lendo, relendo, modificando, cortando, ampliando, é sempre um trabalho muito difícil. Eu primeiro escrevo à mão, depois passo para a máquina de escrever e só depois levo ao computador – que eu não tenho, uso um emprestado.
Abstração Geométrica, obra de 1957

O que te desperta? O que desencadeia essa elaboração que se transforma em poema ou arte visual?
Eu já fiz muitos trabalhos a partir sonhos. Quando vou fazer aquilo que eu sonhei nunca é igual, é sempre inferior ao que eu sonhei. Semana passada surgiu uma ideia e eu já comprei o material, mas ainda não sei o que vai ser feito. Enquanto não surge, eu guardo o material. Tem obras que surgem de leituras. Por exemplo, lendo sobre a vida de Arquimedes, um gênio grego, eu fiz dois trabalhos: A espiral de Arquimedes, e outro que está no atelier e não foi para o MAMAM: Ossuário de Arquimedes. Ele tem uma frase famosa: “dê-me um ponto de apoio e eu moverei o mundo”. Então eu peguei uma caixa de isopor, pintei-a imitando concreto, depois peguei umas madeiras imitando ossos e em cada uma coloquei um ponto de apoio. Outras obras surgem através da própria imaginação, varia muito. O processo artístico, no meu caso, é feito às vezes do acaso, depende do prosseguimento da obra, de vários fatores... Cada artista tem uma maneira própria de desenvolver seu processo criativo.

Catedral, obra de 2001
Você pesquisou e experimentou diferentes caminhos artísticos e estéticos. A arte visual em geral também vem, há algum tempo, experimentando caminhos que levam, até, a um questionamento sobre o que é e o que não é arte. Que caminho você vê para essa expressão artística?
Eu fiz performances há mais de vinte anos, várias. Também fiz instalações, que na época se chamava de “escultura ambiental”... Partindo de onde estou, na visão de um artista recolhido, não vejo surgir nada, nenhum movimento novo no mundo. Nenhuma vanguarda – aliás, elas sumiram há mais de vinte anos. Com o desaparecimento das vanguardas houve uma coisa boa: os artistas ficaram mais livres. O que se nota hoje em dia é que cada artista segue seu caminho. Você tem grandes artistas como o Anish Kapoor, mas cada um segue seu caminho próprio. No Brasil acontece a mesma coisa, não há nenhuma tendência ou uma escola. Eu sempre fui a favor da liberdade de fazer o que se quiser. Tanto é que eu tenho um lema: “Libertarte”. Em arte tem que haver uma liberdade total. O panorama atual das artes plásticas é extremamente diversificado, até porque se tem várias informações através de revistas de arte e da internet. Nessa diversificação, existem artistas maiores do que outros. E tem uma coisa: atualmente, se você está aqui, está no centro do mundo, se está em Roma, está no centro do mundo, se está em Bangkok também. Isso é extremamente interessante, é um movimento sociológico muito sério que tirou, desmanchou a hegemonia dos grandes centros. Agora tanto faz estar aqui, em Paris ou em Londres, você pode fazer uma obra que pode ser conhecida no mundo todo. As coisas mudaram muito.

Esses novos formatos e expressões tendem a se valorizar cada vez mais?
Por uma questão de verdade e de lucidez, a gente não pode descartar o desenho, a pintura, a gravura, a escultura, esses meios mais antigos, porque eles ainda continuam sendo feitos por várias pessoas. Não só aqui como lá fora. Agora, isso depende do talento de cada um. Muitos artistas que não são totalmente de vanguarda, mas são mais ousados, quando têm ideias as realizam. O problema é você ter hoje em dia uma ideia que seja genial, é muito difícil. É muito difícil você pintar um quadro hoje, por mais abstrato que seja e fazer algo renovador. Certos suportes eu não diria que estão esgotados, mas estão dando pouca chance para que o artista inove através deles. Mas a pintura não está desgastada, é um erro achar isso. É um erro preconceituoso daqui do Recife e de outras províncias que pensam assim. O que interessa na verdade é a qualidade do trabalho. Eu tive uma grande experiência em 1959 na Bienal de São Paulo. Estava expondo, na Sala Italiana, um grande artista chamado Alberto Burri. Naquela época, Burri queimava as telas, botava estopa, passava piche, queimava criando uns buracos... Foi um choque tão grande, eu me perguntei se era arte. Aquilo ficou martelando na minha cabeça e no segundo dia fui lá de novo. Fui três ou quatro vezes, olhei, olhei, e no final já estava entendendo o processo dele, e gostei. Quando cheguei aqui escrevi um artigo que foi publicado no jornal. Existem vários modos de se ver a arte e esses vários modos, graças a Deus, estão atuando. Eu penso que os artistas têm essa visão do futuro, de “o que eu poderia fazer agora para abrir um caminho novo?”. Uma das coisas em que eu penso atualmente é em desmaterializar a obra de arte.

Sua obra está em cartaz com a exposição Montez Magno: 55 anos de arte, que reflete diferentes aspectos da sua longa caminhada artística. Como foi para você reunir tantas expressões diferentes dessa obra? Houve um reencontro com sua produção?
No processo da pesquisa me surpreendi com várias coisas. Algumas delas eu nem me lembrava. Então eu comecei a investigar a minha mente, minha memória. Eu tenho uma caixa cheia de projetos em que eu nunca tinha mexido. Quando comecei, vi que tinha coisa pra burro, dá um livro! Pra mim foi curioso, eu tive um choque. Pensei?: “como é que eu tenho tudo isso?!”. Algumas coisas eu nem me lembrava de como tinha feito, depois de um tempo enorme. Como é que eu tenho tanta coisa aqui na minha casa guardada apesar de ter perdido 150 obras lá no Rio de Janeiro? Eu perdi muita coisa. Na época me deu uma angústia, depois foi passando, hoje já não me incomodo muito não, mas você perder mais de cem obras não é brincadeira. Mas eu tenho um acervo enorme, esse armário aí está cheio de trabalhos em papel ou papelão. É muito positivo ver essa obra toda recuperada no livro e na exposição. A única coisa que me incomodou nesses três anos de preparação para a exposição é que eu fiquei afastado da poesia.
Nuvem, obra de 1977


Chega a ser inspirador rever sua obra?
Eu estou satisfeito. Mas encaro normalmente, porque já fiz dezenas de exposições aqui, em São Paulo, no Rio de Janeiro, na Europa, nos Estados Unidos, então não é uma coisa que entre em mim de uma maneira muito vaidosa, eu encaro tranquilamente. Evidentemente que é um ponto de apogeu, porque estou com 76 anos, não sei quanto tempo tenho mais de vida, nem sei se ainda vou fazer uma exposição tão boa quanto essa, que está muito bem montada, todo mundo elogiou. A meu ver, ela deveria ser levada para São Paulo.


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