Dois Unidos

Por Felipe Mendes
Fotos Joás Benedito

Dois Unidos

Esgotadas muitas vezes as áreas centrais da cidade, naturalmente os arredores foram sendo ocupados, fazendo crescer continuamente os limites urbanos do Recife. Desse crescimento surgiram vários bairros, que hoje fazem parte dos 94 que compõem o território da capital pernambucana. Um desses bairros, que desbravou uma área antes de mata e sítios, é Dois Unidos, localizado no oeste da cidade. Quem nos apresenta o bairro onde mora é Luciano Santana. Ele trabalha no Núcleo da Cultura Afro-Brasileira (NCAB), localizado no Pátio de São Pedro, é poeta e também se aventura na fotografia.

Começamos nossa exploração no terminal de ônibus de Dois Unidos. Agitado, o terminal tem ao seu redor alguns bares – que encontramos cheios –, cada qual com sua trilha sonora somada aos roncos de motores, freadas de ônibus e o burburinho dos diferentes tipos de comércio localizados ao redor do terminal, como farmácia e mercado. “Aqui é o centro do bairro”, afirma Luciano, enquanto caminhamos por entre ônibus estacionados e nos integramos ao ir e vir constante de pessoas.


Avenida Hildebrando de Vasconcelos

Não é apenas ao redor do terminal que o comércio de Dois Unidos é desenvolvido. Por toda a nossa caminhada vemos inúmeros estabelecimentos comerciais, de diferentes tamanhos, oferecendo da venda de alimentos a prestação dos mais variados serviços. Esse crescimento econômico é um acontecimento relativamente recente e contribui para o bem-estar dos moradores: Além de terem possibilidades de renda, os habitantes têm também conforto e economia, que não precisam sair do seu bairro para adquirir bens e serviços.



Rumamos para um dos lugares mais representativos quando o assunto é cultura popular no Recife: o Espaço Cultural Arlindo dos Oito Baixos. Chamado por todos de “Forró de Arlindo”, o espaço é a casa do sanfoneiro e tradicional espaço para shows de forró, que acontecem toda semana. Somos recebidos por Odete Regina, esposa do músico, e logo descemos a escada que dá acesso à ampla área onde acontecem as atividades culturais promovidas por Arlindo. Pequenos boxes, as “Bodegas”, homenageiam vários artistas do forró e dão uma cara única ao salão, que hoje é enorme. Ao fundo, um palco, que não poderia faltar.

Arlindo dos Oito Baixos e sua esposa
Encontramos Arlindo dos Oito Baixos sentado tranquilamente no sofá. “Eu moro aqui há 37 anos”, nos avisa o artista, lembrando da lenta transformação da casa humilde em Espaço Cultural Arlindo dos Oito Baixos. Após muitos anos acrescentando aos poucos coberta, piso, banheiro, o sanfoneiro foi beneficiado por uma ação da Prefeitura do Recife, que reformou o lugar em 2007. “Quando eu cheguei aqui, o pessoal falava mal do bairro. Dois Unidos mudou muito”, pondera Arlindo, ele próprio responsável também por dessa transformação. “Mas nunca pensei em me mudar. Seria até ingrato se fizesse isso”, completa.

Não se contendo, o mestre pega uma bela sanfona branca e desfila um pouco da sua musicalidade. Satisfeitos, seguimos para encontrar a Capela da Vila de Dois Unidos, erguida em 1958. A entrada, ornada de um belo painel em cerâmica e uma pequena escadaria, chama atenção. Em frente há um pequeno largo, utilizado por dois comércios, um deles uma banca de feira, na qual encontramos Maria Filomena da Silva, que mantém a venda com o marido aqui há quatorze anos.

Nascida em Dois Unidos, Maria exalta as melhorias urbanas que foram acontecendo, como o calçamento de ruas e o desenvolvimento do comércio local. Mas também chama atenção para o problema das drogas, que atinge muitos jovens. Após conversarmos, seguimos pela Avenida Hildebrando de Vasconcelos, a principal via do bairro, e Luciano Santana nos mostra a Escola Dr. Francisco Pessoa de Queiroz.

Hoje espaço para o conhecimento e expansão de limites, o prédio robusto, localizado no alto de um monte, foi erguido para ser o Presídio Mourão Filho. Em 1986, já desativado o presídio, a estrutura foi reformada e desde então abriga a escola. Passamos por alguns jovens alunos e paramos para conversar com a professora Flávia Santos e com a vice-diretora Lúcia Flora, que contabiliza em 1280 os alunos, de ensino fundamental e médio, distribuídos em três turnos.

Em Dois Unidos existem fontes de água mineral, utilizada por diferentes empresas engarrafadoras. Encontramos também empresas produtoras de papel e papelão, tradicionais motores do crescimento populacional e econômico da região. Também fica aqui o canil da Polícia Militar. No bairro está ainda a Reserva Ecológica Mata de Dois Unidos, área preservada de Mata Atlântica. Sua presença certamente influencia positivamente todo o entorno e é necessário que se cuide do nosso patrimônio natural a despeito de pressões habitacionais.

Entrada do Terreiro de Mãe Amara
Nosso guia nos leva a uma casa imponente, com uma entrada dotada de degraus e vasos, além de um amplo terraço. Estamos no Terreiro de Mãe Amara, e Gabriela Sampaio, neta da ialorixá, nos diz que o local é também um Ponto de Cultura Estadual. “Somos também Ponto Digital”, afirma a jovem. A mãe de Gabriela, Maria Helena Sampaio, coordena o Afoxé Oyá Alaxé, fundado em 2004. Expressão artística da religiosidade e também afirmação do orgulho das raízes negras, o afoxé realiza diversas apresentações e possui até um disco gravado.


Encontramos Mãe Amara, que nos conta ter chegado a Dois Unidos em 1945, quando toda a região ainda era dominada por matas. “Quando eu vivi em outros lugares enfrentei muito preconceito. Aqui sempre fui bem acolhida”, afirma a ialorixá, talvez explicando o porquê de até hoje morar no bairro, fazendo ela própria parte da história viva do lugar. Hoje Mãe Amara tem 69 filhas e filhos de santo e as ações sociais e culturais de seu Ilê Obá Aganju Okoloya dialogam para o bem da comunidade.

Galpão do Vira
Entrando na Rua do Canavial, encontramos mais um Ponto de Cultura, o Galpão do Vira. Logo que entramos, avistamos instrumentos musicais e vários painéis fazendo referência a diferentes aspectos da cultura popular, além do estandarte do Bloco do Vira. Por todos os cantos há sinais das várias atividades realizadas no espaço. Nosso guia Luciano fala do Coco Chinelo de Iaiá e ressalta que as apresentações são sempre animadas.

 
Quem nos recebe é Laurinete de Moraes Cavalcante de Albuquerque, a Mãe Nete. Ela mora em Dois Unidos desde criança e há oito anos realiza diversas atividades abertas ao público, como as apresentações de coco, além de afoxé, maracatu, capoeira e até shows de rock. Mãe Nete explica que Viramundo é seu mestre espiritual, que incorporava em sua mãe. Hoje ela continua este legado religioso no terreiro Organização Religiosa Africana Ilê Axé Oxum Agemum Iá Lê Mim.
Luciano Santana, nosso guia
 
Enquanto estamos conversamos, por duas vezes pessoas chegam ao portão e perguntam do sopão distribuído aqui. Consternada, Mãe Nete explica que o sopão não está sendo mais distribuído por falta de recursos. “Falta apoio”, explica. E segue falando das atividades realizadas pelo espaço, como o curso de corte e costura afro. Antes de nos despedirmos, Mãe Nete convoca: “nós estamos convidando batuqueiros pra o 3º Cortejo  do Coco Chinelo de Iaiá, que será realizado em julho”.

Quanto mais andamos atentos e sensíveis ao que acontece em nossa cidade, mais nos convencemos de que é impossível encerrar todas as facetas culturais de cada bairro do Recife em páginas, textos e fotos. Fica claro, também, que o morador consciente da história, da cultura e da vida de seu lugar é um cidadão melhor para sua cidade. Fica o convite: vamos conhecer nossa cidade!   
 

Comentários

  1. Oi Felipe, tudo bem?
    Muito bacana seu artigo, como faço pra te encontrar nas redes sociais?

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