A insistência de Christina Machado
Chris Machado | Foto Julia Machado/divulgação |
No próximo dia 23 de novembro, a artista abre, na galeria Águas Belas, a exposição Insistância, na qual expõe seu processo criativo revisitando, reinventando e criando obras
No sábado, 23 de novembro, a artista Christina Machado abre a individual Insistância, na galeria Águas Belas, na Madalena. A exposição, cuja curadoria é de Joana D&rsq uo;Arc, traz a mais recente produção da artista que já tem mais de 40 anos dedicados à arte. A palavra insistância deriva da junção de insistência e distância. Traz a ideia de algo que precisa ser revisitado, cuidado, e essa é a proposta da artista nesta mostra que marca a reabertura da galeria após a pandemia da Covid-19.
Insistância celebra a trajetória da artista e vai ocupar duas salas, apresentando 31 obras, nos mais variados suportes, como vídeoarte, objeto, escultura, pintura, serigrafia, fotografia e, claro, trabalhos com argila/cerâmica, uma referência na sua produção. “Estou nesse espaço desde 1983. É um local muito rico, parte do meu desenvolvime nto artístico e as obras que vou expor revelam ao público como se dá o meu processo, como as coisas vão acontecendo e como uma obra vai chamando a outra, dando mote para uma nova criação”, explica a artista.
“Christina Machado é uma artista rara no campo das artes visuais e da produção da arte contemporânea em nosso meio, por ter trilhado caminhos da subjetividade, da arte relacional e dos processos de cura. Ao longo de uma trajetória de mais de 40 anos de atuação completados em 2020, têm desenvolvido uma vasta e inquietante pesquisa com a argila, sobretudo, quando essa passa a colar-se a sua pele, corpo, existência e transforma-se em essência”, comenta a curadora.
O recorte que será apresentado em Insistância começou a se desenhar ainda antes da pandemia. “O Brasil sofre o golpe em 2016, e logo saiu a notícia de uma menina que havia sof rido um estupro coletivo por mais de 30 homens. Isso tudo me fez voltar a pensar nas vaginas, um trabalho antigo que havia iniciado pelos anos 2000”, lembra. Nessa obra das vaginas , Christina tem como matriz de gesso sua pélvis e a molda no barro, criando intervenções das mais diversas maneiras, a partir desse órgão do corpo feminino.
As Vaginas são derivações de A pele é o que separa o corpo do mundo, pesquisa que é a base de todo o processo criativo da artista. “A relação entre pele e cerâmica desencadeia a criação da fôrma do corpo-pélvis e consequentemente na revelação da intimidade, tratando-se de um processo em ‘exposição’ do corpo e também da ‘desvelação de um terreno íntimo’”, escreve a artista.
Em 2002, ela apresentou a instalação Impressões sobre minha vagina, na Torre Malakoff, e, em 2004, d ecidiu quebrar essas peças na performance O que você faria se estivesse em meu lugar? Em 2019, Christina decidiu participar da Marcha das Vadias levando consigo umas das últimas vaginas que havia guardado, num protesto evidente ao contexto daquele momento. Assim nasceu o novo vídeo arte O que você faria se estivesse em meu lugar?
Desse processo, foram surgindo desdobramentos. Um vestido que recebeu 33 pregos no seu ventre, numa referência explícita à notícia da garota que havia sofrido o estupro coletivo, foi escolhido para compor a coletiva À nordeste, com curadoria de Clarissa Diniz. Para essa grande exposição, que aconteceu em São Paulo, foi concebida uma nova performance, A Força , agora não mais com o movimento de quebrar vaginas, mas sim de pisar em falos feitos de argila. Neste caso, era o órgão masculino carregado de simbolismo e opressão que seria amassado dura nte o ato.
Segundo a artista, todo esse processo de revisitar essas pesquisas foi abrindo novas reflexões. Antes de fazer essa performance, por exemplo, ela precisou testar, ver a quantidade de barro que precisaria usar para confecção dos falos, tamanhos, e como iria fazer esse tapete “pêniano”, uma espécie de ensaio que foi feito para ver resultado estético. Nesse processo, ao finalizar, ela enrola o tapete e coloca no braço levando-o para a mesa, sugerindo algo maternal, de repente, sem qualquer intencionalidade chega ao for mato de um grande feto. “Eu comecei a modelar e apareceu um feto. Essa experiência trouxe uma conexão sobre o que eu já estava trabalhando, me fez voltar no tempo, para um momento no passado em que tive uma perda, foi como uma provocação, uma insistência para voltar e olhar para esse trauma guardado lá no fundo”, conta Christina.
“Poeticamente a artista se propõe reviver, revolver, e, talvez até curar-se da perda e curar a todos/as nós, através de um ritual que se inicia com uma semente que germina de uma planta e leva o nome de Davi. Assim, por meio desse processo íntimo, de retorno ao ponto de reviver sua perda, para curar a dor e o vazio, traz simultaneamente à tona o tema sobre o aborto - do ponto de vista do direito das mulheres decidirem por tal gesto, direito ao seu corpo e aos seus desejos - esse trabalho no horizonte maior alcança um regime po lítico de visualidade”, pontua Joana D’Arc..
A artista passou a cuidar e a observar atentamente Davi: suas flores, como brotavam e secavam com o passar do tempo. Desse processo de observação surgiu a série fotográfica Morte Natural, que de alguma maneira dialogava com toda essa pesquisa em desenvolvimento. “Essa exposição insere a artista como uma artista-floresta, proposição ou chave interpretativa, uma artista-floresta no sentido que ela não é uma coisa única, é um processo sempre compartilhado, uma semeadura. Semear foi o gesto de cura para trazer a experiência passada para o tempo presente e cristalizar a essência da vida e os sentidos da fertilização, uma semeadura”, explica a curadora.
Esse caminho trilhado pela artista terminou sendo costurado no vídeo INSISTÂNCIA - Documentário Poético do percurso de uma obra. Davi-da (2020/2021). Nele fica evidente o processo de criação da artista, que saiu de pele, foi para as vaginas e seguiu seu caminho derivando em muitas outras obras, como aquelas em que ela trabalha com o corpo completo de uma mulher. &ld quo;É como se eu tivesse resgatado histórias lá de trás, dos anos 80, 90, dentro dessa ideia de insistência e distância”, resume a artista. Nesse movimento a artista volta à pele e cria uma nova série chamada Enxerto a partir de lâminas de cerâmica guardadas da obra A pele é o que separa o corpo do mundo e que agora se encapsulam em caixas de acrílico.
A galeria Águas Belas foi se moldando a partir de 2017. À época, Christina se juntou a outros artistas, os colegas José Paulo, Joelson Gomes, Maurício Castro, Dantas Suassuana, Rinaldo Silva, Renato Vale e Daniel Santiago para promover atividades em conjunto em seu ateliê, no projeto Ocupe Chris. Ao final dos trabalhos, eles decidiram realizar uma exposição, Os arrombados, no espaço apresentando a produção realizada até ali. Não demorou muito para a artista iniciar um novo grupo, apenas com artistas mulheres (Alice Vinagre, Ana Flávia Mendonça, Ana Lisboa, Irma Brown, Laura Melo e Lia Letícia) que culminou com a exposição Ocupadas, em 2019. Agora, volta a abrir ao público com a mostra Insistância, que tem também o apoio do Funcultura, e fica em cartaz até 25 de janeiro de 2025.
Insistância — Christina Machado
Abertura: Sábado 23 de novembro, das 16h às 20h.
Visitação: Até 25 de janeiro
Horários: quinta a sábado, das 15h às 19h.
Galeria Águas Belas: Rua Águas Belas, 53. Madalena. Recife. PE.
Contato para agendamento de visita: 81 99626.8989
Instagram: @atelierdasaguasbelas
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