WILSON CARNEIRO DA CUNHA GANHA FOTOBIOGRAFIA
A partir do Kiosque, no Centro do Recife, ele produzia os instantâneos de rua. E-book que registra a trajetória de Wilson Carneiro da Cunha será lançado nesta quinta-feira, 28, na FUNDAJ, no Derby
Wilson era ainda uma criança quando encontrou uma máquina fotográfica quebrada e levou para consertar. O rapaz que fez o conserto mostrou como funcionava. Aos 17 anos, Wilson saiu em expedição pelo interior de Pernambuco como assistente do fotógrafo austríaco J. Kaltnek, na função de retratista de lambe-lambe. Em 1943, aos 24 anos, já casado com a fotografia, Wilson constituiu família ao lado de Conceição, com quem teve cinco filhos. Todos, de alguma forma, deram uma contribuição ao negócio de registrar, revelar negativos, atender clientes e vender fotografias, principalmente os mais velhos, que dividiam o espaço de casa com o laboratório do pai, as fotos secando em varais improvisados para serem entregues no dia seguinte aos clientes. Estas são algumas das memórias, até então familiares, reveladas agora na publicação Wilson Carneiro da Cunha: do Instantâneo de Rua aos Registros Caseiros, que será lançada na próxima quinta-feira, 28, a partir das 18h, na Fundação Joaquim Nabuco (FUNDAJ) do Derby.
Em
formato de e-book, com distribuição gratuita e em conformidade com as Diretrizes
de Acessibilidade para o Conteúdo da Web (WCAG) - Perceptível, Operável,
Compreensível e Robusto -, a publicação traz 164 imagens, além de artigos sobre
a obra de Wilson e o contexto histórico, filosófico e sociocultural onde ela
está inserida. O lançamento será acompanhado da exposição com 40 fotos originais
de Wilson Carneiro da Cunha e um bate-papo com a equipe de pesquisa, coordenada
por sua neta, a fotógrafa e arte educadora Bia Lima, que divide a curadoria,
autoria e organização da publicação com a pesquisadora e artista, Bruna
Rafaella Ferrer. Na ocasião haverá tradução simultânea na Linguagem Brasileira
de Sinais (Libras).
MAPEAMENTO - Foram dois anos de
trabalho de uma equipe empenhada em mapear e sistematizar o acervo alimentado
durante 40 anos pelo repórter fotográfico Wilson Carneiro da Cunha, também
conhecido como “Wilson do Kiosque”, “o fotógrafo do Recife” ou mesmo “o
fotógrafo ímpar”, como ele mesmo estampou na fachada do Kiosque do Wilson. O nome
do estabelecimento para serviços fotográficos, onde atuou entre 1951 e 1983, na
Rua Nova, na calçada da igreja de Santo Antônio, Centro do Recife. A ideia da
curadoria foi, segundo Bia Lima, fazer um registro fotobiográfico de WCC,
destacando seu olhar “curioso, instintivo e engraçado”.
FLAGRANTES - Entre os “achados”
que a pesquisa ao acervo propiciou, Bia Lima destaca o apreço de Wilson aos
flagrantes, tanto na esfera pública, onde ficou conhecido pelos “instantâneos
de rua”, quanto na esfera familiar, com flagras da vida caseira, as poses dos
animais domésticos, as crianças dormindo no sofá. “Descobrimos essa unidade,
dos flagrantes. Segundo minha tia (Olegária, filha de Wilson), ele comprava os
filmes para fazer o trabalho dos clientes e a sobra usava com a família. Ele
saia da rua, mas a rua não saia dele”. Nessa mesma linha, a pesquisa
identificou o gosto de Wilson por produzir fotos em série, também com o
protagonismo dos filhos e esposa, tendo como temas a geladeira nova, as capas
de revista, a inundação da casa nas famosas enchentes no Recife da década de
1970. “Ele dirigia as cenas, como uma fotonovela”, conta.
O fascínio de Wilson pelo cinema e por artistas hollywoodianos, segundo Bia Lima, também fica evidente nas fotos que fazia da esposa, “com alguma produção cinematográfica”. Por um desses acasos do destino, tem a assinatura de Wilson Carneiro da Cunha a foto escolhida por Kleber Mendonça Filho para ilustrar o cartaz do seu Retratos Fantasmas, filme lançado este ano que fala com nostalgia dos cinemas de rua do Recife. A foto é um registro carnavalesco, com um grupo de palhaços mascarados, na Avenida Guararapes, também no Centro do Recife.
“Wilson foi inovador e
extremamente criativo. Deixou uma marca para a contemporaneidade que vai além
da atuação no campo da Fotografia. Eu vejo
a sua contribuição também no campo do Design, da Arquitetura, da Comunicação. A
maneira de se comunicar com as pessoas e a identidade visual que ele cria é
muito forte. O modus operandi, a forma como ela faz o registro rápido de
alguém, depois se aproxima e entrega o comprovante para a pessoa ir buscar a
foto revelada no dia seguinte”, define Bruna Rafaella. A pesquisadora também vê
a contribuição de Wilson e do Kiosque, que também servia como expositor de
fotos, na democratização do serviço fotográfico. “Muito se fala da
popularização da fotografia com a chegada ao mercado das máquinas mais baratas,
mas não era para todo. Muitas pessoas se viram em foto pela primeira vez nas
imagens de Wilson expostas no Kiosque”, lembra.
MODERNO - “Sempre que passava pela Rua Nova, olhava bastante curiosa para a banca que expunha uma multiplicidade de vistas fotográficas sobre o Recife e retratos de pessoas que me eram estranhas, instalada bem ali, na calçada ao lado da igreja de Santo Antônio”, é o que conta a pesquisadora do CEHIBRA | Fundação Joaquim Nabuco, Rita de Cássia Barbosa de Araújo, no artigo O fotógrafo da Rua Nova: Wilson Carneiro da Cunha e o Recife Moderno, 1940-1980 que integra a publicação. No texto, Rita de Cássia remonta a trajetória dos quiosques, a origem persa, a passagem pela Europa, até a chegada ao Recife, ainda no fim do século XX. E de como a grafia, à moda parisiense, capturou Conceição, a esposa de Wilson, leitora do mundo por meio das revistas de atualidades, que sugeriu batizar a banca de Kiosque do Wilson, um diferencial na movimentada rua do início da década de 1950.
Em outro artigo, O que vejo na fotografia de Wilson Carneiro da Cunha?, a historiadora Fabiana Bruce, professora da Universidade Federal Rural de Pernambuco, onde coordena o Laboratório de Imagem e História, reencontra o acervo que conheceu em 2003, quando pesquisava a fotografia moderna no Recife na década de 1950, tema da sua tese, e faz considerações sobre acervo de WCC, situando-o entre o público e o privado, além de lançar luzes à obra “ainda pouco pesquisada” do fotógrafo, suas motivações, o olhar “inusual” que demonstra nas imagens. “Aprendi a ver em Wilson esse mostrar as coisas sem dizer, incisivamente, e nos atingir, pelo afeto”, destaca.
HISTÓRICO – Em 1983, com o desinteresse das pessoas pelos serviços do Kiosque, Wilson decidiu fechar e vender parte do acervo para a Fundação Joaquim Nabuco, que digitalizou a obra, que pode ser consultada na Villa Digital. Wilson Carneiro da Cunha: do Instantâneo de Rua aos Registros Caseiros é um projeto incentivado pelo Funcultura PE. Em julho de 2022, por meio do perfil do projeto no Instagram, @kiosquedowilson, foi feito um chamamento à população do Recife para rastrear imagens adquiridas pela clientela de Wilson, facilmente identificáveis por algumas marcas que ele imprimia no trabalho. Depois de reveladas, todas eram devidamente creditadas com a assinatura Wilson ou Foto Instantâneo Wilson ou ainda Kiosque do Wilson em marca d’água no canto inferior. O fotógrafo também adotou carimbos no verso. Um recorte das fotos captadas entre seus clientes faz parte do e-book.
SERVIÇO:
Wilson Carneiro da
Cunha: do Instantâneo de Rua aos Registros Caseiros
Quinta-feira, 28 de setembro, 18h
Local: Fundação Joaquim Nabuco, Derby (exposição no térreo, na
Sala de Leitura Nilo Pereira, e bate-papo na Sala João Cardoso Ayres, 1º andar)
- Rua Henrique Dias, 609 – Derby. Evento com tradução simultânea em Libras.
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