Por trás das cortinas/ Taveira Júnior

Taveira Júnior. Foto Acervo Galharufas Produções
Por: Manoel Constantino


Entre as décadas de 70 e 80, do século passado, o Recife possuía vários grupos e companhias de teatro com forte atuação, com espetáculos e temporadas, de quinta a domingo, sempre com um bom público, fosse tragédia ou comédia. No final da década de 80 e início da década de 90, aconteceu uma queda de produção e muitas companhias desistiram das permanentes batalhas do fazer teatral. Independentemente da história, o fato é que entra crise passa crise e o teatro sempre consegue encontrar um respiradouro. Assim, em 1994, surge a produtora Galharufas Produções, formada por um grupo de atores, oriundos de diversos outros grupos. Objetivo primeiro: estudar artes cênicas. O processo de estudo resultou na montagem do texto “Piquenique no Front”, do espanhol Fernando Arrabal, com direção do presidente do grupo, o ator Taveira Júnior. Assim começa uma já festejada história da Galharufas Produções. Por trás das cortinas apresenta a entrevista com Taveira Júnior.

Manoel ConstantinoOriundo de um grupo de teatro, onde atuava como ator, qual foi o momento em que você optou por produzir e por quais motivos?

Taveira Júnior – O Grupo Cênico Arteatro foi minha primeira referência de grupo de teatro aqui no Recife. Entrei em 1988 para compor um espetáculo infantil chamado O Ovo da Vassoura Flautista – NÔ, com texto e direção de Williams Santana. Todos faziam de tudo, todos se integravam em busca de um propósito que era a produção do espetáculo; já no início da década de 90, eu estudava Jornalismo na UFPE e fazia parte do espetáculo montado por um grupo que considero um marco do nosso teatro que é Lembrem-se de Lilith! Naquela ocasião, Felipe Botelho assinou a direção de seu próprio texto, e foi ali que assumi uma parte da produção, na assessoria de comunicação do grupo, conseguindo o patrocínio de uma grande emissora de rádio. Mais tarde, em 1994, depois de observar experiências de produção em trabalhos com Carlos Lira, Pedro Portugal, Rui Costa, Cristiano Lins e Paulo de Castro, resolvi fazer produção porque abriria o leque de opções para a minha sobrevivência, eu poderia viver de teatro; por esse tempo, perambulei por diversos bairros da região Metropolitana, batendo de porta em porta nas escolas, para vender espetáculos infantis produzidos por eles, ganhando um percentual em cima da renda. Vi, então, que podia sim ter um grupo, nos moldes do Arteatro. Juntei alguns atores que tinham as mesmas aspirações e fundamos o Grupo Galharufas. Efetivamente, assumi o papel de Produtor ali, na hora em que decidimos montar o texto de Fernando Arrabal: Piquenique no Front, também dirigido por mim. De uma só vez, eu fundava um grupo, assumia uma produção e dirigia um espetáculo. Ficamos em cartaz no Teatro Apolo por quase dois meses. A experiência me fez ver que era possível trabalhar, estudar e batalhar em teatro. Era difícil, talvez hoje mais ainda, mas era plausível. Mesmo assim, meu trabalho em teatro como ator em outras companhias ainda continuava, era delas que eu tirava o meu sustento, pois o nosso primeiro espetáculo se não deu prejuízo, não deu lucro. Dos fundadores da Galharufas que foram testemunhas do meu nascimento como produtor, temos o hoje diretor Cláudio Lira, à época,o ator que encarnou o papel do soldado Zapo.


O Crime do Padre Amaro. Foto: Acervo Galharufas Produções
Manoel Constantino – A Galharufas Produções, criada em 1994, já com 18 anos de atuação, abraçou montagens de grandes textos da literatura brasileira, alcançando com sua proposta o universo escolar. Além do trabalho artístico, o que você considera como ganho ao fazer o teatro-educação?

Taveira JúniorSempre fiz questão de ter conosco, no elenco e equipe técnica, profissionais que estavam em cartaz, com história dentro do teatro, em espetáculos de qualidade. Assim eles faziam suas temporadas de fim de semana e, durante a semana, cumpriam as récitas dos nossos espetáculos para escolas. Muitos deles sobreviveram, ou melhor, viveram melhor, com uma renda considerável em espetáculos feitos durante a semana, e assim conseguiam segurar um fim de semana com bilheterias ínfimas, nas temporadas. Para aqueles que labutam em teatro, é o principal ganho. Na verdade, a Galharufas Produções, como tal é conhecida hoje, foi efetivamente concebida em fins do ano de 1997, depois de eu ter passado uma temporada de mais de dois anos entre o Recife e o Rio de Janeiro. Na verdade, foi uma “invenção” [risos] minha e de Flávio Renovatto, quando nos encaminhávamos para uma apresentação de A Canção de Assis, dirigido por Carlos Carvalho. De repente, percebemos um nicho no mercado de espetáculos para escolas: o Ensino Médio. As produções focavam peças infantis, inchando o mercado, tanto que muitas vezes quando chegávamos para vender uma peça numa escola, já tinham sido feitas sete ou oito propostas anteriormente. Resolvi fazer a adaptação de O Seminarista, de Bernardo Guimarães, com Flavinho, na sua primeira experiência como diretor. Eu venderia a peça para escolas que tinham alunos acima do que hoje chamamos de nona série. Pronto! Não tínhamos ideia do sucesso que faríamos, nem tínhamos pensado no contexto pedagógico, fazíamos porque dava certo, porque era gratificante, ao final da tarde, dividir meio a meio o lucro das apresentações e voltar para casa com um trocado muito legal no bolso. Era praticamente a primeira vez que se pensara nesse público enorme, ávidos por textos que caíam nos vestibulares. Entre 1998 e 2006, montamos peças em todos os anos, nosso público só aumentou e novos diretores nasceram dentro do grupo, tais como Emmanuel David D’Lúcard e Samuel Santos. Outro ganho em fazer tais espetáculos é, sem dúvida, trazer um enorme público, que pouco se interessa por vir espontaneamente ao teatro, em peças em cartaz na cidade, e com uma vantagem, esse pessoal sabe o que está fazendo, sabe para onde estão indo e o que está vendo. Sua percepção de arte teatral é muito maior do que levar crianças, que muitas vezes nem guardam o nome da peça que assistiram. Não acredito que as peças, principalmente as infantis em dias de semana, roubem o nosso público de temporadas, acho que é até o contrário, até incentivam, e há de se considerar que o público de fins de semana é totalmente diferente,  porque é formado por pessoas que  estão acostumadas a ir regularmente ao teatro. Já vi muitos pais começarem a levar filhos para o teatro depois que souberam que o filho assistiu, gostou de outra peça e comentou em casa. No nosso caso, ainda hoje, conheço profissionais, alunos daquela época, que levam seus filhos ao teatro, porque aprenderam conosco que teatro é interessante, é educativo, é atrativo e lúdico. Não é difícil eu ser reconhecido nos mais diversos ambientes e empresas hoje em dia por pessoas que dizem: “Você não é aquele cara que ia à escola para levar a gente para assistir teatro?”, poxa, eu fico numa felicidade...! E esse pessoal leva seus filhos para o teatro. As escolas também saem ganhando, pois cumprem com seu objetivo de educar. Fazem seu mea-culpa em relação à Cultura e à disciplina de Educação Artística, que anda esquecida na maioria delas,valorizam profissionais locais e mostram textos que muito provavelmente não seriam lidos pelos alunos para fazerem seus trabalhos escolares ou provas.

Elenco de A visita da Velha Senhora.
Foto: Acervo Galharufas Produções
Manoel Constantino – Diante do quadro atual das artes cênicas em Pernambuco, quais são os aspectos que podem alavancar a produção local para que, de fato, os artistas cênicos tenham um mercado ativo e producente?

T. Jr. - Em primeiro lugar, e fundamentalmente, a formação de todos que executam quaisquer funções dentro do teatro. Eu vejo com preocupação o atual estado das Artes Cênicas no nosso Estado, e explico: há muito, não temos um curso de formação profissional para o ator, como antigamente existiam o Curso da Fundaj e, quase por sequência, a gente se encaminhava para fazer o Curso de Formação do Ator da UFPE. Eu ainda tive a sorte de ter isso na minha época, mas hoje, onde efetivamente se formam os nossos atores? Existem cursos livres, do SESC, das Companhias de Teatro... Eu mesmo possuo um curso há 16 anos, ininterruptamente, mas sei que a formação é básica, rarefeita, incompleta, pelo tempo que temos, pelos resultados que somos obrigados a apresentar ao término. Falar em formação de técnicos e diretores é coisa que dá até briga... Não existe, poucos podem se ausentar, procurar outros centros, pagar cursos e se sustentar fora de Pernambuco, e muitos, quando saem, não voltam. Há muito não se renovam os quadros de técnicos nos teatros. E há outro problema: os espaços estão sendo fechados, demoram uma eternidade nas reformas, e ficamos sem ter onde escoar toda a produção, e isso só no Recife. Acredito que poderiam mapear espaços que estão ociosos, fechados e convidar os produtores, artistas e técnicos para assumir tais lugares, fomentar a iniciativa de construir palcos e sítios culturais, em troca da ocupação, facilitando o crédito para que pudéssemos assumir as reformas. Experiências como essas, aumentaram muito o número de espaços culturais, galerias, teatros e ginásios no Leste europeu recentemente, pegaram prédios ainda utilizados na época da Cortina de Ferro e os transformaram em referências para a produção cultural. Porque aqui não daria certo? Em paralelo, uma campanha, em grandes veículos de mídia, para que haja maior investimento em arte por parte da iniciativa privada. Precisamos botar as pastinhas com os projetos, aqueles mesmos tão bem elaborados para as Leis de Incentivo, debaixo do braço, fincar pé nos batentes das empresas e aprender a convencê-los que é sim investimento aplicar em propagandas no teatro. Sempre foi assim, e os produtores estão se esquecendo disso. Efetivamente, quem é realmente o produtor que dá seu sangue e suor na cidade? As leis de incentivo não dão conta de tudo, não suprem a real necessidade e, por que não dizer, acabam por acomodar e viciar os grupos e os seus componentes, que só produzem quando têm o dinheiro na mão. Temos que incentivar a criação dos grupos, como existia antes, em que todos metem a mão na massa. Hoje vejo atores que nem começaram sua vida artística direito e, diante de um convite para compor um elenco, a primeira pergunta é: “quanto vai ser o cachê de ensaio, o cachê de temporada e o cachê de viagem?”. O negócio não é só pensar o teatro na teoria, nas bancas acadêmicas, é praticá-lo diuturnamente, com coerência e coração.

Maria Borralheira. Foto: Acervo Galharufas Produções
Manoel Constantino – O que você diria, como produtor, para os novos grupos e companhias que surgem no Recife?

T. Jr. - Na prática, não vejo tantos grupos se formando, vejo conjunto de atores que se agrupam para uma peça ou duas e se separam, e depois vão compor outro novo grupo. Isso dá uma sensação de grande movimentação, de efervescência O que há é um turbilhão de interessados ou, talvez, interesseiros, que tentam, e só tentam, trabalhar com teatro. A nossa arte é difícil, é efêmera, é instantânea e isso não é farol para os vaidosos. Poucos são os grupos de referência que se formaram e se mantiveram com trabalhos nos últimos cinco anos, ao contrário da década de 80 e início dos anos 90, em que se achavam grupos que trabalhavam primeiramente pelo prazer de estarem juntos, de pular os percalços e dividir a glória de uma estreia, e fazer de tudo para manter uma temporada ganhando tão somente o básico para a subsistência do grupo. E existiram por décadas. No entanto, há sim hoje excelentes grupos novos. Mas eu tenho esperanças sim, acho que podemos conciliar o prazer e a sobrevivência, e eu vivo fazendo isso há quase 30 anos nos palcos. Apesar de alguns desgostos pessoais, alguns prejuízos e outros dissabores, ainda aconselho que continuem, que batalhem para serem dignos de usar a qualificação de artistas, que se mantenham dignos, com hombridade, que cumpram seus compromissos, que mantenham a disciplina, a coerência, a ética e, acima de tudo, honrem com sua palavra. Tudo isso, em sintonia com um real trabalho de peneira nos textos a serem encenados, junto com a carpintaria e o fazer teatral, e trabalhar sempre e muito, para, aí sim, serem chamados de filhos de Dioniso


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