Pernambuco também tem quadrinhos!

Por: Anax Botelho e Erika Fraga


Histórias em quadrinhos (HQ), graphic novel, gibis, charge, tirinhas, mangás... Todos os nomes estão relacionados aos livros e revistas que buscam contar aventuras de heróis, romances e até histórias reais por meio de desenhos. Em 1890, Alfred Harmsworth, mais tarde conhecido como Lord Northcliffe lançou em Londres a Comic Cuts, primeira revista com histórias desenhadas. Nela continha mais textos do que desenhos e seu conteúdo era satírico-humorístico. Porém existem outras fontes que apontam o norte-americano Richard Outcalt como o verdadeiro criador do gênero. Ele sintetizou o que tinha sido feito até então e introduziu o balão em suas histórias do Yellow Kid, publicadas a partir de 1897.
No Brasil, o italiano Angelo Agostini, produziu em 30 de janeiro de 1869 (Atualmente considerado o Dia Nacional do Quadrinho), As Aventuras de Nhô Quim ou impressões de uma viagem à corte, uma história que alguns estudiosos creditam como a primeira HQ. Porém só 15 anos depois ele seria responsável pela criação dos primeiros quadrinhos brasileiros de longa duração, com as Aventuras do Zé Caipora.
Independente da origem, o HQ se tornou popular em todo mundo a partir dos Estados Unidos com o estilo comics (cômicos), que leva este nome pela sua origem essencialmente humorística. Mas ao passar dos anos e o aumento da produção, ganharam outros temas e se caracterizaram com as histórias do Superman, Batman, Hulk, X-men, Homem-Aranha e outros tão influentes atualmente. Outra forma bem singular e atual é a tirinha de jornal, que no surgimento marcou a era intelectual dos quadrinhos, onde o texto ganhou mais importância que a imagem em Peanuts, de Charles M. Schulz. Um dos fatos que consolidou a importância literária do HQ ocorreu em 1992, quando Maus, de Art Spiegelman, ganhou o prêmio Pulitzer, um dos mais prestigiados da literatura mundial, no qual sempre premiava nomes da literatura e do jornalismo.
A Editora Abril deu origem as publicações do maior fenômeno dos quadrinhos no País, os de heróis da Marvel e da DC Comics, entre os exemplares estavam: Capitão América e posteriormente, Batman, Superman, Homem-Aranha e outros que publicam até os dias atuais. Atualmente a Editora Globo continua a publicar com grande sucesso os gibis da Turma da Mônica, de Maurício de Sousa, maior nome dos quadrinhos nacionais e também dos desenhos animados e longa-metragem que foram produzidos com os seus personagens. Também surge revista Heavy Metal americana lança sua edição brasileira, a Metal Pesado.
Não tem como negar que o quadrinho hoje, merecidamente é considerado uma arte. Pois, além de possuir uma linguagem própria virou um meio de comunicação, por isso, se tornaram febre nacional, sejam eles brasileiros ou internacionais. Mas o que pouca gente sabe é que Pernambuco é um grande seleiro de HQs autorais. A produção pernambucana é mais recente do que as dos outros estados, o seu surgimento se deu na década de 70, através de tiras humorísticas publicadas em jornais, tendo como pioneiro o Diario de Pernambuco. Um dos grandes nomes dessa época é o do cartunista e artista gráfico Lailson de Holanda Cavalcanti, que publicou por mais de 20 anos charges diárias no Diario de Pernambuco. Já no cenário atual quem está ajudando a fortalecer a cadeia pernambucana é o cartunista Jarbas, também do Diario de Pernambuco. Além deles, outros grandes nomes como Carlos Braga, Assis Leite, Otávio Cariello, Leonardo Santana, José Valci, Sandro Marcelo, Milson Marins, Amaro Braga, entre outros se tornaram famosos pelos seus desenhos que levam o nome do nosso Estado para o mundo.
Mas não são apenas de tiras humorísticas publicadas em jornais, que o quadrinho pernambucano é formado. As publicações de revistas também são crescentes. Infelizmente são poucas as editoras especializadas no tema, mas as que ainda persistem estão conseguindo bravamente galgar aos poucos um espaço nas prateleiras dos leitores. Exemplo disso é a Produtora Artística de Desenhistas Associados (PADA), uma das poucas produtoras pernambucana que atua nesse ramo. Criada em 1985, por José Valcir e outros componentes, ela é fruto de muita resistência. Atualmente é a produtora mais antiga e a que possui o maior número de publicações, no total são 58. Hoje, a PADA é responsável pela editoração das revistas: Prismarte, Spaceopera e Do Além, todas com uma grande aceitação no mercado. Outra editora que vem lutando contra as dificuldades do mercado é a AfroHQ do Quadrinista Amaro Braga. Umas das formas que ela encontrou para fazer com que publicações cheguem às mãos do publico, principalmente leitores iniciantes, foi à distribuição de exemplares em escolas e bibliotecas públicas espalhadas por todo o estado. Também encontramos no cenário local livros como o Barô Barata (ver Literatura) e as revistas Xorume, Fusão, entre outras. Já a Ragu editada por João Lin, é mais do que uma revista, ela é uma antologia de quadrinhos que prestigia trabalhos autorais não só de pernambucanos, como também de quadrinistas de outros países. 

Mesmo sendo publicações autorais, alguns autores locais tem como inspiração o formato americano (seja nos traços ou nas histórias que geralmente retratam os heróis) e o formato europeu (são histórias mais elaboradas com um contexto feito para pensar) conta Sandro Marcelo, membro da PADA. Mesmo tendo absorvido formatos de outras regiões as temáticas locais acabam criando uma identidade, elaborando os seus próprios heróis e vilões fugindo do fanatismo gerado pelos super-heróis americanos.
Fazer quadrinhos em Pernambuco é um trabalho que exige amor e muita dedicação, já que é preciso estar lutando constantemente por reconhecimento.  Mesmo tendo trabalhos de alta qualidade, ainda existe uma grande instabilidade no mercado local, fazendo com que os quadrinhos não recebam a valorização merecida. De acordo com Sandro Marcelo a maior dificuldade do quadrinho pernambucano é a falta de incentivo. “A produção pernambucana esbarra na insuficiência de divulgação. Para divulgarmos é necessário verba e sem verba não temos como divulgar, sendo assim, não temo como publicar em grande quantidade, então, a vendagem limita-se apenas em sites, e eventos”, explica.

Para tentar minimizar a falta de incentivo, os produtores locais encontraram como solução as realizações de festivais, concursos e palestras. Entre os eventos estão: O dia Nacional de Quadrinhos (Comemorado no dia 30 de Janeiro), Festival Nacional de Humor e Quadrinhos de Pernambuco, Cineflash, Dos Quadrinhos Para As Telonas e o HQMix, uma das mais importantes premiações do quadrinho nacional.

Jarbas

A produção artística dos quadrinhos está diariamente presente no cotidiano da sociedade em diversas formas e adaptações. Hoje as ilustrações se tornam pontos estratégicos no mercado e faz de jornais e revistas, produtos que também buscam no visual, agradar e conquistar os consumidores. Dentro dessa perspectiva também está presente o trabalho dos cartunistas e chargistas. Em Pernambuco, Jarbas que trabalha no Diario de Pernambuco faz com que suas ilustrações transmitam informação, contem histórias e ele continue com a sua produção artística profissional com tirinhas. Em conversa com a Agenda Cultural do Recife ele faz uma retrospectiva de quando ainda era criança e passava horas desenhando e criando histórias, sua formação e carreira profissional, seu livro, projetos futuros e comenta sobre quadrinhos, processo criativo.
Onde começa sua história com quadrinhos, desenho, charge e tirinhas?
A maioria dos cartunistas eram crianças que não paravam de desenhar. E como todos, eu tive como a primeira expressão gráfica, o desenho, a partir daí fui aprimorando e depois passou de uma atividade escolar para uma profissional. No meu caso, eu desenhava no colégio e em casa, era meu passa tempo. Meu pai era funcionário de um banco e trazia uma pilha de papel que o banco ia jogar fora, eu pegava aquilo ali e desenhava tudo em um dia, ficava conversava, criando histórias... É tanto que coloquei no livro (Barô Barata) uma frase da minha mãe, “Esse menino só vivia desenhando e falando sozinho. Parecia que tinha uma televisão na cabeça!”, ela dizia para todo mundo que chegava lá em casa, pois eu estava sempre desenhando, além de criar explosões, diálogos dos personagens... Era um desenho animado.
Qual é a sua formação acadêmica e como iniciou seu trabalho profissional?
Fiz artes plásticas e desisti, depois fiz outro vestibular para design e conclui o curso. Na minha formação, você tem um espaço muito amplo no desenho gráfico, e dentro existem vários conjuntos, desde o mais tradicional como desenho para imprensa até para celular e vídeo game, como tem no Centro de Estudos e Sistemas Avançados do Recife cesar.org.br(CESAR). Hoje em dia, também podemos atuar em casa, com um trabalho legal, você começa a divulgar em um blog e a partir daí, envia para as editoras, revistas e pode acontecer de receber uma proposta de free lancer. Meu início na área profissional foi no final de 1998, quando surgiu o jornal Folha de Pernambuco e um colega que fazia jornalismo e conhecia a tirinha do barô, disse para eu enviar uma para a redação da Folha, pois o jornal quase não tinha tira. Mandei e fui chamado para fazer um estágio como ilustrador, mas a tirinha não foi publicada nesse período. Após cinco anos, depois de uma reforma gráfica, eu sugeri um suplemento infantil, até então só quem tinha era o Diario de Pernambuco.  Foi daí que criamos uma sessão de tira e foi quando o Barô Barata emplacou na imprensa.
Como o seu trabalho é encarado atualmente e qual função social você definiria para ele?
Muita gente diz “Rapaz, tu trabalha com desenho?”, acha que você está se divertindo e muitas vezes desmerecem o trabalho. Acham que tem um esforço menor para produzir aquilo, e não é verdade, pois para produzir uma tira, uma charge, existe um desgaste muito grande. Um dos fatores é que, deve ser muito seletivo, tem que ter uma grande pesquisa, conhecimento de público... E tem que estar por dentro das notícias. Na charge você pode fazer rir ou refletir sobre um problema ou antecipar algo, levantar um questionamento. Além do desenvolvimento da técnica, pois para chegar ao traço, o profissional passou anos estudando, desde a pintura a mão ao desenvolvimento gráfico. Já o profissional tem a função de passar a informação em 15 segundos para que o leitor fique sabendo, reflita e pensando sobre a solução daquele fato. O cartunista dá uma cutucada no leitor, na sociedade.
Você já conquistou diversos prêmios com seu trabalho, quais destacariam?
O primeiro prêmio da minha carreira foi em um salão de humor comemorativo aos 400 anos de Natal em 1999, era uma história em quadrinhos, chamada de Visão 359 graus. Tratava-se de uma borboleta que se envolvia em um acidente e até entender que era um acidente, você tinha que chegar ao final da história, pois só via tudo girando. A partir disso comecei a me escrever, ganhei cinco vezes no festival de humor daqui, fui premiado no salão da imprensa de Porto Alegre, entre outros. Em 2010, ganhei o World Press Cartoon (WPC), em Portugal, que é um dos prêmios mais importantes do mundo na área do humor gráfico, este foi muito marcante, é como tivesse ganhado um Oscar. Fui para Portugal e tinha um carro todo adesivado com o meu cartum, todo lugar que eu ia era com esse carrinho e no dia da abertura o espaço estava lotado, você se sente valorizado pelo seu trabalho.
Recentemente você publicou um livro de tiras. Como se deu o processo, a história do personagem e  têm projetos futuros?
É uma coletânea de tiras do Barô Barata que atualmente é a única tirinha produzida e publicada na imprensa local. Infelizmente, por uma questão de distribuidora para conseguir um espaço é um pouco difícil, mas hoje existe um fator muito positivo que é a internet. A história do personagem vem da época do colégio, o Barô Barata quando fui entrando na adolescência, se tornou muito chato, ele era de protestar, isso na minha cabeça... Mas eu desenhava no caderno. Aí quando fui produzir as tiras para o jornal, se eu ficasse com ele muito chato, teria um espaço de piada reduzido, sempre a coisa do mau humor. Então criei o oposto do Barô Barata que é o Tapuru, extremamente feliz, que tudo encara de forma positiva e nunca está mal humorado, é prestativo... Os dois juntos formam uma pessoa, pois todo mundo tem seu lado chato e seu lado legal. Daí ficou mais fácil fazer as piadas, depois foi surgindo outros personagens inspirados em pessoas da vida real ou não, e ai eu fui incrementando. Todo mundo tem aquela vizinha que cria problema, aquele menino que é hiperativo e a partir daí se cria um personagem... Na história tem o cachorro, que foi inspirado no cachorro da minha irmã. E como as histórias retratam problemas da sociedade em uma grande cidade, pois eles vivem na cidade chamada de Casca Grossa, todo mundo tem uma história que se identifica ou já passou. Portanto uma coisa que era para agradar criança passou agradando todo mundo. Eu me surpreendi no lançamento do livro com a quantidade de adultos, senhores dizendo que liam. Um senhor aposentado, disse que a primeira leitura do sábado era o Barô Barato e eu fiquei sem saber que tinha alcançado um publico tão amplo. Agora o pessoal está pedindo uma animação.
Como ocorre o processo criativo para as histórias?
Em minha cabeça, o personagem se mexe, anda, se movimenta. Eu só faço escolher o quadro e desenhar. Na verdade, faço o processo inverso, eu torno uma coisa que é na minha cabeça animado em estático... É uma coisa que tenho desde criança, quando desenhava, era como se fosse um desenho animado, por isso eu fazia a sonoplastia. Depois eu fiz isso com o quadrinho, já na fase profissional.
Como você define a época que os quadrinhos estão passando e como Pernambuco se comporta?
Vivemos a época dos pixes, ou bytes ou até cobres, pois as maiorias dos circuitos são feitos de cobres. Defino assim, porque o pessoal tem produzido primeiro para a internet e depois vira uma publicação, que é comum hoje. Uma editora acompanha e se interessa, ou até ganha um incentivo cultural. Os profissionais que trabalham hoje no Estado são em maioria autodidata. Tem gente de formação em design, artes plásticas, jornalismo ou até nacionalmente como o produtor de Níquel Náusea, Fernando Gonzales que é veterinário e mantêm um conhecimento na área. Mais acredito que varia muito a formação, o negócio é curtir desenho e saber contar história. Acho que você tem que construir seu espaço, eu sou do tipo que vou à livraria e vejo o meu livro escondido, pego e ponho-o exposto, deixo um na mesinha... Você tem que ficar se movimentando até o negócio engrenar. E Pernambuco, o nordeste é um berço cultural e o quadrinho é uma ferramenta muito importante para se divulgar o que tem aqui em Pernambuco, pois qualquer personagem pode retratar um pouco da terra.

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