Ontem a poesia inovadora de Ascenso Ferreira completou 125 anos
Versos do pernambucano são considerados marco do
modernismo brasileiro
Lá
se vão 125 anos de nascimento do poeta pernambucano Ascenso Ferreira
(1895-1965), completados neste 9 de maio. Sua poesia regionalista virou marco
do movimento modernista, apesar de muitos intelectuais acreditarem que
regionalismo e modernismo eram como água e óleo. Por causa desse equívoco
histórico, Ascenso Ferreira segue pouco lembrado e pesquisado, recordado apenas
como figura folclórica e anedótica - homenzarrão de quase dois metros, chapéu
grande de palha na cabeça, vozeirão e charuto na boca - e de poesia
regionalista. É muito mais do que isso, como revela o livro Como polpa de ingá maduro: poesia reunida de Ascenso Ferreira, editado pela Cepe em 2015 e organizado pela doutora em Línguas Hispânicas e Literatura pela Universidade da Califórnia, Valéria Torres daCosta e Silva.
“Ascenso
inova na construção, nas melodias, ritmos e recursos poéticos que utiliza”,
defende a autora, endossada pelo editor da Cepe, Diogo Guedes, para quem “a
poesia de Ascenso é regida pelo signo do prazer na linguagem, no tom e nos
temas, e ainda de um prazer mais despretensioso, que não precisa de muito mais
do que a (re)descoberta do cotidiano, dos causos, das tradições, dos amores, da
sátira e dos sons”, discorre Diogo. Ele sugere o livro da Cepe como “uma
excelente introdução para quem quer conhecer o poeta pernambucano, e um apurado
reencontro para os já familiarizados”.
Destaque para o ineditismo da organização da edição, realizada a partirdos principais eixos temáticos que marcam a obra do poeta natural de Palmares,interior de Pernambuco: Tradição e modernidade; Cotidiano; e Amor.“Curiosamente, não apenas são poucas e modestas as edições da poesia deAscenso, como é também escassa a crítica da sua obra”, lamenta Valéria, quepassou 20 anos estudando o pensamento social e os movimentos literários queforjaram uma noção moderna de identidade cultural brasileira, com destaque paraos anos 1920 e 1930. “Essas duas décadas são determinantes, para o bem e para omau, sobre a forma como nós pensamos e nos enxergamos enquanto brasileiros. Ascenso Ferreira publica Catimbó (1927) e Cana caiana (1939) nesse período”, diz a pesquisadora, explicando como mergulhouem sua obra, sobre a qual se debruçou de 2008 a 2015. Ascenso depois lançouapenas mais um livro de poemas inéditos, Xenhenhém, em 1951.
Houve,
porém, quem reconhecesse a importância do trabalho de Ascenso Ferreira, como os
também poetas Manuel Bandeira e Mário de Andrade, que escreve o artigo ‘Ritmo
Novo’, no qual discorre que “só mesmo Ascenso Ferreira trouxe para o modernismo
uma originalidade real, um ritmo verdadeiramente novo”. Mesmo pensamento não
compartilham os demais. “A crítica literária mais recente - elaborada a partir
dos anos 1960, em São Paulo - colocaram Ascenso como um tipo ‘saudável de
regionalismo, que valorizava as tradições culturais da terra aliado ao espírito
inventivo, inovador e irreverente do modernismo”, esclarece a pesquisadora. Só
que o modernismo a que se referiam era o que ocorreu em São Paulo, em 1922, e
que via características modernistas de outras regiões como regionalismos,
apenas por não serem “paulistocêntricas” (palavra da autora), focadas no
progresso industrial e urbano e mais ligado à vanguarda europeia do que a
brasileira. A importância de lembrar Ascenso hoje, como diz Diogo, é “reiterar
o modernismo brasileiro como uma pluralidade mais ampla do que a iniciativa de
um grupo de autores paulistas”.
Mas Ascenso, precursor da segunda fase do modernismo brasileiro, - quando deixam de glorificar o ‘progresso’ para se dedicar às profundidades brasileiras em linguagem moderna - tinha plena consciência disso. “A julgar por algumas entrevistas e declarações, ele se via como de fato era:um poeta modernista que escrevia a partir da sua ‘província’, Pernambuco. Ele buscou conjugar suas raízes culturais com os desafios da modernidade”.
Os poemas apontam a simplicidade e o colorido da vida, a valorização das experiências sensoriais eafetivas e da contemplação. Nada mais atual nesses tempos de pandemia”, ressalta Valéria. A autora também pontua que mesmo quando de caráter anedótico, a poesia do autor também faz crítica social, como em Filosofia:
Hora de
comer — comer!
Hora de
dormir — dormir!
Hora de
vadiar — vadiar!
Hora de
trabalhar?
— Pernas pro
ar que ninguém é de ferro!
“É uma crítica genial ao sistema de produção que ancora toda experiência moderna e tenta reduzir o homem à sua força de trabalho. Nesse poema de pouquíssimas linhas, Ascenso se insurge contra a objetificação do ser humano no sistema capitalista”, descreve Valéria.
Para
conferir mais textos sobre o poeta, outra dica é acessar o arquivo do Acervo Cepe. (http://www.acervocepe.com.br/
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