Por trás das cortinas: Paulo Henrique Dançando e Transformando
Por Manoel Constatino
Fotos: Hans MAnteufell
Paulo Henrique |
A riqueza
das danças tradicionais do Nordeste Brasileiro ultrapassa o conceito meramente
do que é “popular”, visto que sua exuberância faz-nos pensar no movimento
corporal como um todo, como um universo múltiplo cheio de significados que
atravessam o tempo e adaptam-se ao contemporâneo. Essa riqueza fez-nos pensar
na construção de uma carreira artística, através da dança. Paulo Henrique, em
sua busca e construção, arregaçou o seu olhar, alargou seus movimentos
corporais dançantes e hoje, conscientes dos processos compartilhados, revela-se
como um dos profissionais da dança no Recife que respira, alimenta-se e produz
espalhando sementes adubadas pela criatividade, paixão e responsabilidade.
Manoel Constantino - Decidir seguir uma carreira,
principalmente na área das artes cênicas, não é uma tarefa fácil. Quais foram
os estímulos que o levaram a escolher a dança como objetivo de vida
profissional?
Paulo Henrique - Sem dúvida nenhuma, foram os
profissionais que deram os primeiros passos na arte. Daí vem minha admiração
pela arte educação. Um bom professor pode ser transformador na vida de uma
pessoa. Assim com foi comigo.
Comecei
minha carreira artística como ator. Tive grandes mestres que me mostraram a
verdadeira essência do teatro e foi aí que me apaixonei pelas artes cênicas.
Estava na idade de escolher uma carreira profissional, e este contato com o
teatro me fez decidir a fazer o curso de artes cênicas na UFPE.
No início
dos anos 90, quando já estava engajado no circuito teatral de Recife, com
espetáculo em temporada e na universidade, onde pude me especializar nesta
profissão, procurei também participar de cursos de dança para aprimorar minha
performance no palco. Aí foi uma grande surpresa quando, como aluno de dança
popular, fui convidado a integrar o elenco de dançarinos profissionais. Estava
então, neste período, tentando conciliar a minha prática com o teatro e a
dança. Chegou o momento que precisei escolher uma das áreas artísticas para dar
continuidade e aprofundar os conhecimentos, pois elas precisavam de mais
empenho de minha parte e já não dava mais para conciliar. E a dança me dominou!
Nunca me desliguei do teatro. Hoje minha pesquisa no Acupe Grupo de Dança
procura sempre fazer interfaces entre as linguagens artísticas, além de
trabalhos de corpo nas encenações teatrais e da disciplina de consciência
corporal em cursos de teatro. Hoje vejo o quanto foi rico na minha formação o
diálogo com o teatro e a dança. Nos nossos discursos contemporâneos as
linguagens artísticas estão cada vez mais híbridas, sem limites entre início e
fim das expressões artísticas.
Acupe Grupo de Dança |
Manoel Constantino - Quais são os requisitos, hoje,
para que a pessoa possa ser um profissional da área da dança e quais são as
perspectivas de trabalho no mercado?
Paulo Henrique - Bem, neste momento o Acupe
Grupo de Dança está desenvolvendo o curso “Acupe Formação do Intérprete Pesquisador
em Dança”, nas cidades de Arcoverde, Surubim, São Benedito do Sul e Recife,
percebo que as pessoas gostam de dança e arte. Faltam oportunidades!
A grande
dificuldade no mercado de trabalho é a desvalorização da cultura nos órgãos
públicos e que vai rebater diretamente na sociedade. Em algumas prefeituras do
interior a arte se resume em festas de datas comemorativas, onde as atrações
são de cultura de massa, restringindo há muito pouco a diversidade artística.
Temos o direito de escolha ou não?
Temos que
pensar na apreciação da arte desde criança. Só assim poderemos ter artistas e
apreciadores de arte que também pagam ingressos para irem assistir os
espetáculos dos amigos. Nós artistas, fazemos e consumimos arte. E porque não
queremos comprar ingresso para assistir o grupo ou Cia de dança do nosso amigo?
Essa pergunta é para refletirmos. Convite só se for dado. Caso contrário, temos
que comprar mesmo.
Temos
grandes espetáculos, intérpretes, coreógrafos... Em nossa cidade e só
conseguimos montar espetáculos com incentivos financeiros. Tenho certeza que
nenhum grupo local consegue realizar uma montagem de espetáculo e cumprir
temporada com dinheiro da bilheteria. Não podemos cobrar o merecido. È sempre
baratinho. Pagamos caro para os que vêm de fora.
Enquanto
não tivermos uma escola técnica de dança e a dança “digna” não for mostrada e
praticada com as crianças na escola, como um trabalho de base, iremos sempre
ter a impressão de recomeço e não de continuidade.
Penso que
a formação de um profissional de dança começa pela apreciação e com o tempo irá
aparecer o desejo da prática, ou não. Hoje tenho comigo que a formação do
intérprete em dança deve abrir os horizontes e não restringir a uma única
técnica de dança, a exemplo do nosso curso. A escola é para expandir e não
restringir os conhecimentos. A escolha expressiva sim é de cada um.
Manoel Constantino - São 23 anos de carreira,
vivenciando diversos grupos e companhias. Quais foram os momentos mais
gratificantes e quais aqueles que o fizeram repensar o seu caminho?
Paulo Henrique - Pois é, o tempo passou e as
coisas mudam. Esse conjunto de referenciais corporais que adquirimos durante
toda nossa vida, a corporeidade, me fez traçar os caminhos percorridos por mim
e pelo Acupe mutuamente.
Em toda minha
trajetória artística em Recife, posso dizer que sou genuinamente Pernambucano,
por ter toda minha formação aqui mesmo. A Cia Trapiá de Dança, Portugal
Produções, Cia dos Homens, Henrique Shuller, entre academias e participações em
diversos espetáculos me faziam refletir um pouco mais na frente. Todos os
processos que vivenciei foram importantes. Nem que fosse para dizer que não era
por aí que iria seguir.
As
pessoas que compartilham comigo experiências veem uma eterna busca pelo novo.
Meus processos são sempre compartilhados, onde estabelecemos protocolos e
seguimos como um acordo. Isso torna um processo único.
Manoel Constantino - Como você percebe a produção
da dança em Pernambuco? Quais entraves e quais as alternativas que possam
alavancar o setor?
Paulo Henrique - Já elenquei acima alguns pontos e
reforço o talento e riqueza artística que temos no nosso estado.
Sou
um admirador, apreciador e um entusiasta da nossa cultura. Eu amo minha terra.
Estamos sempre recriando inovando. Vejo os artistas criando do nada suas obras.
Parece a que a dificuldade e falta de investimento, fazem os artistas irem além
das possibilidades, tornando- os assim um povo especial. Hoje penso em buscar
conhecimentos fora do nosso quintal, que procuro ajudar a cultivar bons frutos,
mas jamais penso em deixar esta terra. No início da minha formação, a cultura
da época era ir embora daqui, mas nunca tive vontade. Aqui me bastava. Sentia
que primeiro teria que conhecer minhas origens para depois ganhar o mundo. Não
me arrependo. Aliás, continuo convicto. Meu desejo é poder transformar cada vez
mais a realidade local. Quero ver os melhores ficarem e não irem embora.
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