Entrevista: Antúlio Madureira


Por Gianfrancesco Mello
Fotos Rans

Antúlio Madureira

De família de artistas, cresceu entre música, teatro e dança. Subiu ao palco pela primeira vez aos 13 anos de idade. Tem passagem pelo Balé Popular do Recife, que foi fundado em 1977 por ele e sua família. Já participou dos movimentos Armorial e Romançal, e percorreu mais de 30 países dos diversos continentes do mundo, entre eles: Argentina, Canadá, Estados Unidos, Holanda, Portugal, Suíça, Itália e China. No Brasil, já participou de mais de 25 festivais de música. Todos os instrumentos que ele apresenta são criados ou recriados pelo próprio. Em entrevista ao repórter Gianfrancesco Mello, Antúlio Madureira fala da sua história, da musicalidade e dos próximos projetos.

  1. Agenda Cultural - De onde vem seu envolvimento com a cultura popular? Conte-nos um pouco da sua história.

Antúlio Madureira - O sétimo dos onze filhos de uma tradicional família de artistas, nasci e cresci entre musica, teatro e dança. Desde cedo descobri meus dons e dedico o meu talento à cultura que herdei de meu bisavô Tonheca Dantas - músico, escritor e poeta, e do meu pai, Paulo Ferreira - radialista, diretor e escritor de peças teatrais. Sempre estimulado por minha família, subi ao palco pela primeira vez aos 13 anos em um espetáculo infantil, escrito e dirigido pelo meu pai. Em 1977, fundei junto com minha família o Balé Popular do Recife, que, durante vinte anos juntos, carregamos a bandeira da cultura popular de Pernambuco no mundo. Parte de meu desenvolvimento, como artista e diretor musical, foi com o grupo que, hoje, é um dos maiores orgulhos da cultura pernambucana. Minha trajetória artística envolve participação em movimentos como o Armorial e o Romançal. Participei do Quinteto Armorial, da Orquestra Romançal com Zoca Madureira (mestre do violão), e do Trio Romançal Brasileiro, grupo formado por mim, Walmir Chagas (o Véio Mangaba), e o meu irmão Antero Madureira. Integrei a Orquestra de Câmara da Universidade de Pernambuco, compus trilhas sonoras para espetáculos de dança e teatro. Minha formação passa pelo Conservatório Pernambucano de música, no curso de Licenciatura em Música pela Universidade Federal de Pernambuco, e na escola de Belas Artes, onde tive um professor fundamental para minha carreira, José Carrion. Ele era excelente, formou várias gerações de violonistas, e foi quem deu base e referências para os meus instrumentos.



  1. AC – Uma das suas marcas é criar instrumentos. Como surgiu isso? Você já fez quantos?

AM - Meu interesse com a construção de instrumentos foi a partir de um Marimbau que ganhei de presente do meu irmão Antônio Madureira, que no período presidia a Orquestra Romançal. Na mesma época, eu já fazia algumas pesquisas dos instrumentos populares utilizados na música nordestina, em especial a de Pernambuco, para fazer os entremeios das danças do Balé Popular do Recife. A partir daqui, comecei a juntar o conhecimento dos instrumentos populares do Nordeste, que passeava pelo universo dos tocadores de gaitas, caboclinhos, rabequeiros, bumba-meu-boi, entre outros, com a música Romançal. Com o Balé Popular do Recife, consegui conhecer outros países com culturas completamente diferentes da nossa, o que me ajudou a aumentar o meu interesse pelos instrumentos autênticos. Uma das viagens que mais me chamou a atenção foi a da África (Costa do Marfim). Eu fiquei encantado com a forma que eles tiravam sons de instrumentos inusitados. Neste mesmo tempo, eu estava estudando música e violão erudito. Eu fui pondo em prática a técnica da música erudita com esse universo popular. Foi o começo para surgir as primeiras ideias, como a marimbaça e a cabala, instrumentos que eu passei um bom tempo pesquisando para começar a tirar sons e partir daqui, veio surgindo outras experiências, com os materiais recicláveis, como conduítes, instrumentos de construção civil (britadeira, betoneira, esmerilhadeira, serrote...), garrafas, latas, cabaças, bambus, entre outros materiais. Aproveitando os timbres de cada um desses instrumentos, juntei aos de uma orquestra tradicional e transformei o meu trabalho em algo diferente com uma linguagem universal, e é isso que desperta a atenção das pessoas em qualquer lugar do mundo. Eu não tenho um número exato de instrumentos que criei, eu sempre vou tomando proveito de alguma coisa que se pode utilizar como instrumento de sopro e instrumento melódico, cordas e de percussão, então vou juntando as ideias. Muitos instrumentos que criei a partir da oportunidade, mas que uso apenas para o momento e não toco em outros shows. Precisaria de no mínimo 24h para apresentar tudo. Também fiz algumas adaptações para a rabeca, mesmo a rabeca sendo um instrumento conhecido e um dos mais tradicionais da cultura popular; as gaitas de caboclinhos, também me utilizando de outros recursos que já existem; o pífano, que tem a maneira tradicional de tocar, e outra que eu criei que projeta o som como o de um berrante, apenas mais melódico, onde você pode ter algumas escalas musicais e fazer alguns efeitos nas músicas.

  1. AC – Como você faz a ligação do seu trabalho com a pesquisa musical?

AM - Eu ponho em prática tudo que vejo. Procuro codificar as minhas ideias da forma mais simples possível, para levar aos palcos e aos discos, sempre documentando isso para outros músicos que queiram também conhecer esse universo.

  1. AC - Você é bem resolvido com essas novidades tecnológicas. Como utiliza essas ferramentas “futuristas” com os instrumentos?

AM - O meu objeto de pesquisa sempre foi a cultura do Nordeste com os sons do mundo. Passei por milhares de países com culturas e sons diferentes. Pude assistir de perto várias manifestações culturais, além de observar no dia a dia a importância da música na vida das pessoas. Com tudo isso, seria insano me fechar para os recursos tecnológicos, que só tem agradado e facilitado a vida de muitos músicos. O que seria dos grupos, se em toda viagem tivessem que levar uma orquestra completa? Desde o meu primeiro CD “Teatro Instrumental”, uso esses recursos tecnológicos, e tenho certeza que ele só vem agregando os meus trabalhos. Acho fascinante, por exemplo, os cânticos religiosos juntos aos sons eletrônicos.

  1. AC - Na cena musical pernambucana, algo lhe atrai? E sua música? Como a classificaria?

AM - Ela toda! O Carnaval do Recife, por exemplo, você recebe uma avalanche de informações, mas é preciso ter ouvidos para escutá-las. Os desfiles pelo Recife, nas rampas dos palcos, chegam maracatus, caboclinhos, ursos, troças, entre outros infindos. Ali tem muita informação, que está à disposição para todos, é só ter ouvido, percebê-los e traduzi-los para o seu universo. A minha música não consegue ser rotulada, porque é um pouco diferente do que se faz por ai. Até encontramos dificuldade para comercializar, por não existir um parâmetro. Minha música não é nem armorial, nem é mangue, nem pop... É música! Que eu sinto e traduzo a partir do conhecimento adquirido ao longo da minha carreira, através dos meus estudos com a cultura popular e das influências da cultura de outros povos para a formação da música pernambucana.

  1. AC - Sua carreira é marcada por muitos sucessos e grandes novidades. Mas a Ema pode ser considerada a música que marcou sua trajetória? Por quê?

AM - A Ema caiu no gosto popular, como também de muitos cantores. Tornou-se um hino de Pernambuco, vários intérpretes, pernambucanos ou não, gostam de cantar, talvez porque ela veio acompanhada de uma coreografia simples, fazendo com que o público interaja de uma forma mais direta. “Música boa para o grande público, é aquela que criança gosta”. Poucos sabem, mas a Ema faz parte do universo dos autos do bumba-meu-boi, não foi uma música que fiz apenas por fazer. Todo o meu trabalho é em cima de algum contexto, muitas vezes cultural. Não posso dizer que ela marcou a minha trajetória, porque a mesma ainda não acabou. Posso dizer que foi boa para popularizar o meu trabalho, que seguia em uma linha mais instrumental.

  1. AC - Acabamos de viver e respirar o Carnaval na cidade. Daqui a pouco, estaremos no São João. Você acha que essas festas estão perdendo sua essência e se tornando algo mais comercial? Por quê?

AM - A essência não se perde porque está no povo, está na passagem do pai para o filho e assim por diante. Mesmo que não tenhamos o controle do que permanece ou transforma, a fonte da vida é a mesma: o passado. A informação sempre é procurada lá, e é de lá que muitos vão buscar a informação para o hoje, muitos nomeiam isso como “retrô”, que nada mais é do que uma forma adaptada do passado para hoje. Isso funciona para qualquer seguimento, inclusive da música. Todo dia, recebemos milhares de informações novas e que, se não tivermos o conhecimento do passado como âncora, perdemo-nos, já dizia o velho Chacrinha: “nada se cria, tudo se recria”. Cada adaptação feita na música é uma revolução musical e nós estamos passando por esse período, mas que para a história da música é e será muito positivo, porque no fim quem tiver sua verdade permanece, mas ao contrário deste, deve ser diluído no passar do tempo.

  1. AC - O que o público pode esperar de novidades para esse ano?

AM - A busca é diária. Eu estou pesquisando e pensando constantemente em novas possibilidades. Para 2013, estou com dois CD’s novos guardados. Além desses, tenho alguns projetos de shows com convidados, com orquestras, participações fora do País, mas que precisam aguardar a hora certa para ir ao mercado.

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