Dos rabiscos às telas

A democracia chupando melancia, de Daniel Santiago.
Foto: Rodrigo Braga
Por Gianfrancesco Mello e Vitor Chaplin

Tocar, cheirar, ver, manipular, saborear e escutar. As sensações ao elaborarmos uma obra de arte são infinitas e, embora pensemos que a arte começa com o primeiro rabisco, na realidade, ela tem início muito mais cedo. Isso porque a arte passa a existir quando os sentidos dos artistas estabelecem o primeiro contato com o ambiente e reagem a essas experiências sensoriais. No início, o que se vê é um emaranhado de linhas, traços leves, pontos ou círculos. Pouco depois, já se verifica uma cena complexa com paisagens, edifícios e figuras humanas ou até mesmo geométricas. Muitos renomados artistas afirmam que o desenho se torna mais expressivo quando existe uma conjunção afinada entre mão, gesto e instrumento, de maneira que, ao desenhar, o pensamento se faz.

Para mostrar como anda a formação das artes plásticas na cidade, a Agenda Cultural do Recife, neste mês, foi em busca de exemplos para os futuros talentos locais. Inicialmente, conversamos com o artista Daniel Santiago, que nasceu em Garanhuns, no Agreste do Estado, em 1939. Ele aprendeu a desenhar com o tio Saul Santiago, que era pintor de propaganda da cachaça Chica Boa e desenhava nas paredes de Catende, na Zona da Mata de Pernambuco. De 1962 a 1966, Santiago viveu na Bahia, onde aprendeu a fazer xilogravuras, influenciado por Hansen Bahia e Emanoel Araújo. Em 1967, foi professor de desenho na Escola Nacional de Desenho em Curitiba, no Paraná.


Daniel Santiago em Godot esperando Samuel
Beckett. Foto: Rodrigo Braga
Já talentoso, entretanto ainda não satisfeito, Santiago se formou artista plástico pela Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Pernambuco, em 1977, e se formou jornalista pela Universidade Católica de Pernambuco, em 1980. Em suas especializações, Daniel Santiago também fez Curso de Especialização de Desenho (1970), Curso de Pintura (1971 e 1972), Curso de Escultura (1973) e Curso de Teatro (1974) no Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais, na cidade de Ouro Preto. Além disso, foi professor de Desenho na Escola de Comunicação da UFPE e no Senac do Recife. Atualmente, o artista plástico possui catálogos de participação em mais de cem exposições no Brasil e no exterior, e expõe fotografias no Restaurante Céu e Terra, que fica na Rua do Riachuelo, 641, no bairro da Boa Vista.

“É necessário que os jovens artistas planejem a execução das obras. Toda ideia que tiverem, tomem nota com detalhes na execução e arquivem, mas cuidado com os falsos amigos”, alerta Daniel Santiago. O artista plástico, de um modo geral, lida com papel, tinta, gesso, argila, madeira e metais, programas de computador e outras ferramentas para produzir suas peças. Com base nesses conceitos, conversamos também com Leonardo Filho, que completou 50 anos de Aquarela e retrata em suas obras o urbanismo com praças, igrejas e casarios, entre outros aspectos da arquitetura regional. Como um observador do cotidiano das pessoas, faz questão de dizer que não é um documentarista, e sim um animal deste habitat.

Leonardo Filho. Foto: Divulgação
“Eu comecei a pintar com sete anos de idade. Nessa época, eu morava no interior da Paraíba e já rabiscava na escola. Certo dia, meu colega desenhou um ônibus, algo muito difícil de ver na ocasião, e observei alguns detalhes que faltavam ser colocados no veículo. Então, comecei a desenhar desde aquele dia e nunca mais parei”, lembra Leonardo Filho. O artista começou a aprimorar seu desempenho na década de 1960, quando realizou um curso de inicialização com a artista plástica alemã Charlotte Backer. Não demorou para que, ainda naquela década, surgisse o convite da Campanha de Cultura Popular (Ceplar), em João Pessoa, na Paraíba, para trabalhar como desenhista e ilustrador do método de ensino Paulo Freire. Em seguida, passou como estudante bolsista pelas seguintes instituições: Universidade da Paraíba (Artes Plásticas); Museu de Arte Moderna do Rio de Janeiro (Extensão em Artes Plásticas); Escola de Belas Artes do Rio de Janeiro (Artes Plásticas); e Museu de Arte Sacra de Olinda (Ambientação e Arte Barroca).

Poço da Panela, de Leonardo Filho. Foto: Divulgação
Com 19 premiações e exposições catalogadas, Leonardo Filho mantém nove acervos espalhados não apenas no País, como também na Europa, mais especificamente no Museu dos Coches e Fundação Roque Gameiro, em Portugal, e na sede da Unesco, em Paris. No Brasil, além de museus, como o de Arte Contemporânea de Pernambuco e o de Arte Moderna Aloísio Magalhães (MAMAM), é possível apreciar o talento do artista na Academia Pernambucana de Letras, no Recife. “É necessário que o artista plástico faça a coisa com solidez e base. É preciso ter dedicação e encarar a arte com profissionalismo. Recentemente, por motivos de saúde, fui internado no Hospital Agamenon Magalhães, e lá comecei a pintar. Isso chamou a atenção de alguns enfermeiros e comecei a ensinar algumas técnicas para eles”, comenta. O artista possui alguns trabalhos que podem ser encontrado no site www.leonardofilho.zip.net.

Eudes Mota. Foto: Nando Chiappetta/DPD.A.Press
Pensando que preservar a arte é mais que amor, é um desafio, fomos em busca de um exemplo peculiar. O que acontece quando um indivíduo atua nas artes plásticas e para por alguns anos? Ele volta com mais sede. Foi o caso do artista Eudes Mota que, depois de dois anos de reclusão, ressurgiu prestes a completar 60 anos de idade. Em uma relação mais íntima e despojada com o mundo atual, Mota emerge do passado de um processo criativo de profunda solidão e isolamento, de questionamentos ligados à abstração e à cultura popular, para a pintura com muito mais calor, redefinindo um estilo único e próprio do artista. De uma arte com sutilezas, definições e energia, a essência que atuava de uma forma específica de espiritualidade foi dissolvida para um discurso sem misticismo. Ainda nessa busca incessante pelo resgate de uma arte isenta de rótulos, Eudes desafia a pesquisa incansável, tendo como suporte a percepção e o domínio da arte pura e da abstração geométrica.

Depois desses três maravilhosos exemplos, ficou curioso para aprender a pintar e não sabe como e nem por onde começar? Como há muitas opções pela cidade, é necessário atenção para escolher um bom curso. Por esse motivo, a Agenda Cultural do Recife dará dicas de alguns cursos de artes plásticas que se destacam no Recife.

Adilson Rocha no ICT. Foto: Vitor Chaplin
Dicas - O curso de desenho artístico e de pintura, localizado no Instituto de Cultura Técnica (ICT), traz-nos a noção do que é feito nesses cursos. Lá, os alunos aprendem toda a base de desenho, desenvolvem o pensamento estrutural (base para a criação) e conhecem o padrão que nos induz ao erro nas artes. O curso é gradativo, vai desde o mais simples aprendizado do desenho a composições mais complexas como desenhos de objetos e corpo humano. Em seguida, o aluno entra na parte mais avançada na qual será envolvido em técnica de pintura para aprofundamento. “Em determinada fase do aprendizado, é importante que ele saia do atelier e vá trabalhar fora por causa da luz. Às vezes, vamos ao Pátio de São Pedro por ser perto do ICT”, afirma Adilson Rocha, que é produtor e curador de artes plásticas do local.

Segundo o curador Adilson Rocha, é fundamental que os iniciantes deem o primeiro passo. “As pessoas precisam escolher um curso de qualidade”, completa. Além do ICT, outros cursos estão presentes na capital, confira agora as dicas para o desenvolvimento de sua arte:

Oficina de desenho com Renato Valle (Museu Murillo La Greca)
O objetivo é exercitar o desenho como meio de educar o olhar e desenvolver a percepção dos objetos, pessoas, paisagens, além de compreender formas, proporções e perspectivas.
Até 14 - Ter e Qui 14h às 17h
Valor: R$ 300 (Pode ser dividido em 2 x R$ 150)
A partir dos 15 anos - Carga horária 30 horas-aula

Aproveitando a carona da oficina de desenho e com o objetivo de abrir espaço para exposições e discussões de curadoria, a Fundação de Cultura Cidade do Recife torna público o processo de seleção de exposições individuais ou coletivas a partir de curadorias a serem realizadas para a sala Secundária e para sala Multiuso do Museu Murillo La Greca. As inscrições são gratuitas e deverão ser feitas até o dia 6 de fevereiro deste ano, de segunda a sexta-feira, das 9h às 17h, e aos sábados e domingos, das 13h às 17h. As inscrições podem ser feitas também pelos Correios ou pelo e-mail amplificadores2011.12@gmail.com. Mais informações podem ser obtidas pelos telefones (81) 3355-3127 ou 3355-3129.

Sesc Casa Amarela
1 a 29

Atelier de Artes Visuais - Estão abertas as inscrições para os cursos de pintura do Sesc Casa Amarela. São quatro turmas, sendo duas para iniciantes e duas para o curso Avançado, com 10 vagas cada uma. Para iniciantes, as aulas acontecem nas segundas e quartas-feiras, das 15h às 17h ou das 19h às 21h. O curso Avançado é nas terças e quintas-feiras, das 15h às 17h ou das 19h às 21h. Os valores são de R$ 24 (com./dep.) e R$ 57 (público em geral).

Contatos:
Daniel Santiago

Eudes Mota e Leonardo Filho
Attiva Comunicação

Instituto de Cultura Técnica
Rua Duque de Caxias, 356, 1º, 2º e 3º pavimento, Santo Antônio
3424 2625 / 3424 6101 / www.ictnet.com.br

Museu Murillo La Greca
Rua Leonardo Bezerra Cavalcanti, 366, Parnamirim
3355 3126 / 3355 3127 / 3355 3129

Sesc Casa Amarela
Rua Professor José dos Anjos, 1109, Mangabeira
3267 4400

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