Meu bairro... Moro aqui
Boa Viagem
Praça do Porto
Texto Raquel Freitas
Fotos Vitor Chaplin                                                                                                                                                                                                               

Tão extenso quanto a sua costa litorânea, aproximadamente sete quilômetros (7 km), o bairro de Boa Viagem não cabe em uma só edição da Agenda Cultural do Recife. Nesse caso, ele será apresentado em duas edições. Dividimos o território, sem delimitar o espaço, para que o nosso leitor compreenda Boa Viagem além dos arrecifes e dos clichês que tangenciam a praia urbana mais famosa de Pernambuco.
Boa Viagem chegou aos nossos olhos tão esplêndida quanto o calor que se espalhara naquela tarde. Entre prédios suntuosos, que se alternam entre residenciais e empresariais, o cenário começa a ser lapidado sem que as pessoas deem a devida atenção. Talvez, pela pressa cotidiana, os cidadãos cosmopolitas nem percebam as árvores e os pássaros resistentes do cenário caótico da cidade. Com pouca ventilação, isso na área mais central, as folhas das árvores paradas se contrapõem com o movimento do próprio bairro.




Na busca por algo bucólico, encontramos, logo no início, na bifurcação da Avenida Engenheiro Domingos Ferreira, se é que há início, uma praça erguida ao redor da imagem de Nossa Senhora.  Denominada Praça Joseph Smith, ela carrega uma serenidade típica de praça de cidade interiorana, mas logo nos damos conta, por causa dos carros estacionados pelos arredores, que não é uma espécie de veneração à imagem e muito menos à praça, pois o local é usado mais como ponto de referência para um dos principais complexos de consultórios médicos, o Clinical Center, do que como um lugar para descansar e passear.
Seguimos adiante. Dessa vez, Boa Viagem não está sendo vista paralelamente às tarefas diárias, ao contrário do olhar estrangeiro, de estranhamento. Dessa vez, observamos as suas nuanças com o olhar turístico, de contemplação. Pois é. Foi dessa forma que os detalhes quase que imperceptíveis ganharam força e voz. Desse modo, a visão panorâmica se fecha nos pequenos gestos e nos mostra cuidadosamente o rosto desse personagem que recebe o nome tão efêmero quanto o de uma “boa viagem” que nos marcou.


Ainda na mesma avenida, encontramos outra praça, entramos na Rua Senador Hélio Coutinho e, de longe, uma escultura com semelhança a duas garças entrelaçadas dão as boas-vindas aos novos itinerantes. Assinada pelo escultor José Rodrigues, o monumento abre-alas para que a Praça Cidade do Porto nasça. Elo entre as duas principais avenidas do bairro, a praça desperta na Conselheiro Aguiar e adormece na Domingos Ferreira. Inaugurada em 1987, ela recebe esse nome como laço de amizade entre as cidades do Porto, em Portugal, e as do Recife. 

Na edição deste mês, quem nos apresenta aos ares de Boa Viagem é o artista plástico Gil Vicente. Autor das exposições Inimigos e da série Suíte Safada, o morador, desde 1981, da Rua Agenor Lopes se desgruda do olhar sobre a tinta nanquim e nos mostra as ruas que escrevem diariamente o seu trajeto e a sua vivência. É justamente naquele lugar com endereço em Boa Viagem que o ateliê de Gil Vicente remonta as influências do dia a dia. Segundo ele, o bairro não o influencia, mas basta olharmos os catálogos das suas exposições para sentirmos que essa influência é quase automática. Em uma tela intitulada Luciano no mar é possível encontrarmos elementos que fazem analogia ao cotidiano construído de forma involuntária no bairro. Talvez sem pretensão, Gil construa através das paisagens, das naturezas-mortas e dos retratos, aquilo que já faz parte do seu universo de observação.
Nossa guia Gil Vincente

Em um espaço ao lado do seu ateliê, é possível visitarmos a Sala Recife. Em uma parceria com quatro artistas, entre eles, Renato Vale, Manoel Veiga, Eduardo Frota e Marcelo Silveira, Gil cede o espaço como uma espécie de fomento ao projeto que funciona totalmente independente. “Este projeto funciona independente da casa. As pessoas podem vir aqui e visitar, sem interferir no ambiente do ateliê”, afirma. Funcionando há três anos, a galeria não tem interesse comercial. Os envolvidos no projeto convidam artistas que tenham trabalhos voltados para desenho e pintura passando assim a expor as suas obras por conta própria. Na época da reportagem, o trabalho exposto era de um artista plástico gaúcho Antônio Frantz Soares, cuja obra se insere num contexto natural e palpável. O artista forrou o seu ateliê com tela de lona, como também os dos amigos, e na medida em que a tinta caía, ele ia selecionando o ponto que desejava e a recolhia sem intervenção. “A única interferência dele é no momento da edição”, esclarece Gil. O interesse dele, do artista gaúcho, é fazer com que as pinturas cheguem às mãos dos visitantes através de livros disponíveis nas prateleiras, uma vez que, em uma exposição, não se pode tocar nas telas.
Lona
Agora, com a respiração mais solta, estamos na Rua Agenor Lopes. Tudo isso porque, na casa de Gil, ficamos com o ar preso e os olhos intactos para as diversas obras espalhadas pela casa. A Rua Agenor Lopes, que dá acesso ao Shopping Recife, curva-se no final e começa a dar forma e tons à comunidade conhecida como “Entrapulso”. No passeio com Gil, deparamo-nos com um comércio surgido após a instalação do shopping naquela localidade. Agora, já na Rua Tenente Domingos de Brito, o falatório se confunde com músicas variadas e passa a dividir o espaço com salões de beleza, lojas de roupas, lanchonetes e, claro, com a famosa Pamonha da Lu, que não poderia ficar de fora. “Quando eu cheguei aqui, há dezessete anos, todo esse comércio era muito incipiente. O shopping foi crescendo mais e tudo isso cresceu muito”, esclarece o artista.
Ainda caminhando, Gil pede ao nosso fotógrafo para tirar uma foto. O registro resultou em uma geometria de cores que só o olhar do artista pode proporcionar.  “O que me interessou foi esse azul com vermelho, essa geometria aí. Eu faço muitas fotos dessas coisas que me interessam pictoricamente. Essas coisas gráficas são os detalhes que eu fotografo nas ruas”, explica o que a fotografia já se encarregou de fazer.
Foto Gil Vicente
Com uma distância de aproximadamente um quilômetro (1 km), isso da Rua Agenor Lopes à Avenida Boa Viagem, seguimos para a parte do bairro a qual quase sempre associamos à cidade recifense. Cobertas por frestas de luz, devido às sombras dos prédios imperiosos, a Avenida Boa Viagem nos faz alternar a cabeça entre os prédios e o mar. Mesmo passando por ali, diversas vezes somos capazes de nos impressionar com o sentimento apaziguador que o ambiente exala. Tudo isso porque este cenário é justamente onde as pessoas se distraem, saem um pouco da rotina e passam a ver a praia muito mais do que uma paisagem estável. Boa Viagem se movimenta, inspira compositores, moradores e artistas, que são capazes de viver da arte de esculpir em areia. Foi esse esculpir que nos chamou atenção. Um castelo erguido pelas mãos de um homem cuja aparência não foi revelada, pois ele não estava presente. De identidade Fabiano e naturalidade paraibana, a caixa de natal em frente ao castelo estava tão solitária quanto a obra de arte. Segundo o vendedor do quiosque ao lado, Fabiano tinha ido para casa e voltaria mais tarde. Sem o telefone e o endereço de Fabiano, seguimos a nossa então “boa viagem” rumo aos três jardins.
Escultura de areia, de Fabiano
Apresentado de forma decrescente, o jardim que nos chegou primeiro foi o terceiro jardim (sentido Pina). Entre os edifícios Casa Alta e o Plaza del Mar, a Rua Professor Osias Ribeiro serve de atalho para a Avenida Conselheiro Aguiar. Em frente ao Edifício Atlântida, o jardim ganha ares um tanto romântico. Os banquinhos embaixo de plantas de espécies como a buganvília, pinheiros e coqueiros recebem a sombra do edifício Atlântida.  O final da praça começa a surgir quando nos aproximamos do restaurante Nabuco, logo após a Rua Zeferino Galvão.

O segundo jardim, também conhecido como Praça Jornalista Francisco Pessoa de Queiroz, é o mais extenso entre os três. No início, as esculturas, que se assemelham as carrancas, são assinadas por Manoel. Atrás das obras, o edifício, cujo nome é Córdova, divide o seu espaço com as demais edificações, como, por exemplo, o residencial José Eleutério de Loredo e o Restaurante Boteco, localizado logo após a Rua Júlio Pires. Para o nosso guia Gil Vicente, o segundo jardim “é o mais bonito, pois é a única área que tem um recuo das edificações pro mar”.
Segundo Jardim
O primeiro jardim anuncia o seu começo ainda no prédio Aquarela. Mas não é só ele quem ocupa esse espaço, pois entre a Rua Domício Rangel, os edifícios Jardins e o Dona Izabel fazem parte do lugarejo residencial erguido no local. Logo no final do primeiro jardim (sentido Pina), encontramos o Marante Plaza Hotel, que serve como apoio turístico à rede de hotelaria do Estado. Ainda no hall, as telas expostas de artistas podem ser apreciadas pelo público diariamente.


Na próxima edição da Agenda Cultural do Recife, você ficará por dentro de outros pontos turísticos que não foram citados nesta reportagem. Vale ressaltar que Boa Viagem não se despede agora. Ele volta mais tarde para aproximar ainda mais as pessoas que constroem direta ou indiretamente a história desse bairro tão inspirador. Então, um até logo.

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