O universo infantil visto por outro ângulo

Por Erika Fraga e Raquel Freitas | Fotos Joás Benedito e Divulgação

É pelas mãos das crianças que as pinturas ilustradas e o texto ganham movimento e é na biblioteca da escola que elas se deixam envolver por algo mais forte: a leitura. O esmero com que é tratado o texto de uma obra infantil é um dos fatores determinantes para a formação da criança. Essa primeira impressão tem o poder de transformá-la, levando-a, quando adulta, a se lembrar dos primeiros traços contidos naquele livro “inesquecível”.
Para a criança, compor uma história com seus “rabiscos”, é carregar consigo a fantasia e a vontade de percorrer outros mundos que possam talvez ser diferentes do seu mundo real. E para que esse mundo “visitado” não seja apagado facilmente da memória da criança, há quem trabalhe com dedicação para que tudo aconteça da melhor maneira. 

Fabíola Siqueira Pinto

No recanto da Escola Municipal Osvaldo de Lima Filho, localizada na Avenida Domingos Ferreira, Fabíola Siqueira Pinto, pedagoga e professora, orienta os alunos em atividades que envolvem a biblioteca e a sala de aula, buscando assim não apenas a complementação da carga horária, mas a inserção no dia a dia da criança do hábito da leitura. “Aqui na escola, a leitura é viva dentro da sala de aula porque trabalho dos professores é feito em parceria com a biblioteca”, afirma. O trabalho que a biblioteca desempenha com os professores depende da idade e da série em que os alunos se encontram. Para Fabíola, a biblioteca não só assume o papel de incentivar a leitura como também de perceber as reações que cada aluno demonstram a partir de uma avaliação feita por ela.
Além dessas questões, a escola desenvolve projetos como o Ciranda de livros – circulação dos livros. “As crianças vêm aqui, fazem empréstimos de livros, escolhem os que querem e levam para casa para ler com a família”, diz satisfeita. Outra atividade de característica singular foi à extinção da antiga feira de ciências, que atualmente é uma feira com atividades temáticas, como, por exemplo, a semana do meio ambiente, a semana da astronomia. “Com as feiras temáticas, a gente passou a garantir uma aprendizagem maior, a criança não fica preocupada em só decorar o texto”, garante a professora.
Livros da biblioteca da Escola Osvaldo de Lima
Desde 2008, a escola vem promovendo um evento que está agregando mais e mais leitores. O projeto se chama Concerto de leitura e acontece na última semana de abril sempre próximo ao dia 23, como parte das comemorações do Dia Mundial do Livro e do Direito Autoral. “A gente está vindo num crescente de sucesso”, afirma Fabíola com um sorriso no rosto. De 2008 para cá, muitas evoluções foram percebidas. Uma delas é o engajamento voluntário de autores de obras infantojuvenis na elaboração de oficina literárias, contação de histórias e palestras para a garotada. “O Programa Manuel Bandeira – criado em 2006 pela Secretaria de Educação, Esporte e Lazer de Recife com o propósito de fazer da leitura uma prática constante no cotidiano da escola e da vida do aluno – nos dá muito apoio em relação a isso”, enfatiza. 

Kits do programa Manuel Bandeira
Autores e Ilustradores
Pernambuco, terra de grandes escritores como Gilberto Freyre, Ariano Suassuna, Ascenso Ferreira, Manuel Bandeira, há muito se rendeu aos encantos da literatura infantojuvenil. Vários autores como Luiz Marinho, Osmar Lins, Myriam Brindeiro e Lenice Gomes optaram por dedicar a vida ao universo infantil. Diferentemente do que muitos acreditam, escrever para esse público não é tarefa fácil. Nesse momento, o escritor deixa de ser apenas o autor do livro e assume a responsabilidade de instruir e educar a criança, o que não é pouco. É através da literatura que os “pequeninos” começam a trabalhar o imaginário e criar o seu catálogo de imagens, sentimentos e informações.
Walter Moreira Santos

Um dos grandes escritores e ilustradores da atualidade é Walther Moreira Santos. Autor de vários livros, entre eles
Quem vai ajudar o lobo-mau e o Colecionador de manhãs, Santos teve sua primeira publicação infantil lançada no ano de 2000, sendo considerado hoje um dos autores mais profícuos nesse tipo de literatura. Razão pela qual possui em seu currículo mais de 100 premiações em âmbito nacional. Boa parte desse reconhecimento se dá pela transparência da realidade que ele imprime às obras. “A experiência do livro de qualidade nos dá profundidade – seja ele destinado a adultos ou a crianças. E, nesse sentido, o livro não tem de ser, necessariamente, moralista ou bonzinho; se houver verdade na obra, é arte; se não, é bobice”, comenta o autor e ainda explica que o leitor precisa ser conquistado antes dos sete anos, já que depois dessa idade o gosto pela leitura vai se tornando cada vez mais distante.
É de grande importância a inserção dos livros paradidáticos nas escolas e a implantação de projetos de incentivo à leitura, como o da Escola Municipal Osvaldo de Lima Filho. Porém, vale ressaltar que esse gênero não deve ser associado apenas como um meio para ensinar e educar, é também um meio que leva você a se entender como pessoa e ajudar na construção de um mundo melhor.
Escrever com responsabilidade e transparência também é uma característica do escritor e jornalista José Teles. Para ele, trabalhar a linguagem da literatura infantil é muito difícil e específica. “Só fiz dois livros infantis até hoje. Você tem que penetrar no universo da criança, sem pensar como adulto, nem considerar que criança não tem percepção das coisas. É complicado”, comenta Teles.  A literatura infantojuvenil não tem que mostrar necessariamente histórias que não tenham conexão com a realidade, é preciso ir mais além e retratar o cotidiano. De acordo com Teles, o grande problema de muitos autores é que eles se policiam muito e não expõem a realidade que os leitores veem e até vivem. “Fiz recentemente uma história sobre crack que mostra a realidade de quem se vicia. Um tema desses, tão atual, tem que ser mostrado como ele é”, revela.


Luciano Pontes. Foto: Luciana Dantas/Divulgação

Na literatura infantil, a ilustração é tão importante quanto o texto, pois ela tem a função de pensar por imagens. Então, podemos dizer que um bom livro é aquele que consegue unir o texto à imagem. Assim como Walther Moreira, outros escritores optaram não só pelo caminho da escrita, mas também pela arte de desenhar. Um deles é Luciano Pontes, autor de sete livros, entre eles, O carrossel do tempo e Disse me disse. Ele não só escreveu como também ilustrou alguns dos seus livros. Para Luciano, o bom ilustrador não é aquele que descreve o que o escritor fez, e sim aquele que cria outro universo a partir da narrativa, sem subjugar a inteligência da criança, levando o leitor a questionar o que está sendo apresentado. “O bacana de fazer livro infantil é que ele tem o poder de alcançar todas as idades.As crianças provavelmente não vão ler Dostoiévski, Rimbaud, Augusto dos Anjos, mas os adultos podem ler a literatura infantil e isso não é nenhum problema, pois que se trata de obras que possuem a mesma carga  poética, crítica e de beleza de qualquer outra literatura para adulto”, ressalta o escritor. 

Alunos no momento de leitura
biblioteca
 No caminho da ilustração também temos Rosinha Campos, uma das ilustradoras mais premiadas de Pernambuco, com aproximadamente 80 livros ilustrados. Entre as suas publicações, estão: Lampião e Maria Bonita: o rei e a rainha do cangaço e a coleção Palavras Rimadas composta pelos títulos: A história da princesa do Reino da Pedra Fina; A história de Juvenal e o dragão e A história da garça encantada, todos ganhadores do Prêmio da Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil, realizado no Rio de Janeiro. Rosinha explica que a ilustração para criança exige um maior cuidado, pois ela tem que ser pensada e repensada, para explorar a “ludicidade” e a poesia. “Acho que a palavra exerce uma magia nas pessoas, mas como ela tem processo de decodificação mais lento, as crianças acabam se apropriando primeiro da imagem, por isso sinto o peso da responsabilidade na hora de ilustrar para elas”, pontua. Segundo Rosinha, mesmo sendo um mercado segmentado ainda existem algumas barreiras a serem ultrapassadas, entre elas, a dificuldade de se fazer com que as obras cheguem até os leitores. Para muitas crianças, o acesso aos livros de conto é complicado e os paradidáticos adotados nas escolas em sua maioria são de grandes editoras, deixando de fora as de pequeno porte.

O mercado

O cenário da literatura infantojuvenil no Estado vem se tornando cada vez mais expressivo e essa realidade faz com que os escritores e as editoras tenham mais cuidado na hora de escrever e publicar uma obra. Com o pioneirismo emplacado, a Fafire realiza há quinze anos o
Encontro Literário Infantojuvenil. Atualmente, ele realizado bianualmente com a proposta de estabelecer uma rede de discussões que rondam os entraves de produção, linguagens e estudos sobre autores locais, sem deixar de avaliar obras clássicas da literatura nacional e internacional expandindo o conhecimento e a reflexão sobre a importância dos textos na formação do leitor. O projeto surgiu graças a uma inquietação do próprio departamento e também logo após a implantação da disciplina Literatura Infantojuvenil na grade curricular da instituição.                                              
Para a realização do Encontro, foram convidados inicialmente autores do sul, mas sem deixar evidentemente de manter vivo o espaço para os autores locais. “A gente sabe que existem autores canônicos como Manuel Bandeira, Osman Lins, Clarice Lispector”, afirma a coordenadora do curso de Letras da Fafire, Liliane Jamir, que se mostra consciente da necessidade de incluir autores clássicos da literatura local.
Questionada a respeito da pouca aproximação de escritores locais para o Encontro, ela defende os critérios organizacionais: “Eu acho que existem muitos autores bons e que almejam escrever para crianças, entretanto ainda não têm uma literatura que em termos estéticos e literários se categorizem como literatura, isso é difícil da gente avaliar”, se defende. Ela garante que os autores locais têm espaço, sim, à medida que sua obra toma corpo e pode ser levada para as rodas de discussões. “Já participaram do evento Lenice Gomes, Hugo Monteiro, Antônio Nunes, Telma Brilhante”, enumera a professora fazendo um esforço para lembrar dos demais nomes.
A literatura para criança e adolescentes tem que ser cercada de ludismo, para que assim haja uma aproximação maior dos pequenos leitores com as obras. A falta desses elementos pode surtir efeito contrário, ou seja, o afastamento. Para Liliane, ainda existem obras com uma linguagem ainda muito didática e que acabam não convencendo. É necessário que o autor estenda o seu olhar e não fique no engessamento paradidático da obra.




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